Da Sua Janela…
Na manhã do passado dia 6, os sacerdotes da diocese iam chegando ao Seminário de Lamego, para o primeiro dia das Jornadas de Formação Permanente do Clero. A alegria do reencontro foi-se transformando em dor. A notícia chegou inesperada e pungente: tinha partido para a eternidade o Padre João André. Todos estávamos ligados a ele. Ali estava o seu condiscípulo, o Padre Aramando Ribeiro, alguns sacerdotes seus contemporâneos no Seminário e colegas de trabalhos pastorais. Mas sobretudo, ali estávamos os seus antigos alunos e formandos no Seminário; nesta casa onde viveu de 1971 até 2008.
Somos, por isso, muitos os que beneficiamos do seu grande saber e do seu testemunho de professor competente, de sacerdote integro e de padre desprendido.
No seu livro “Da Minha Janela” diz a propósito da morte do filósofo austríaco Karl Popper: “o acontecimento da morte tem o especial poder de reunir a atenção dispersa”. E de facto ninguém conseguia deixar de pensar no Padre João André. As conversas, nos corredores, invariavelmente iam evocando a sua memória e o seu legado. Em jeito de homenagem, o Seminário, ofereceu a cada um dos participantes na formação um exemplar do seu livro onde está plasmada a sua “inquieta curiosidade de olhar.”
O Padre João Augusto André Ribeiro nasceu em 1936, na freguesia de Picão do Concelho de Castro Daire. Depois de ter frequentado os seminários de Resende e Lamego, onde concluiu o Curso Superior de Teologia, foi ordenado presbítero a 15 de agosto de 1961.
Nomeado pároco de Soutelo e Nagoselo do Douro aí exerceu o múnus pastoral até 1969, data em que foi convocado, depois de ter feito o curso de Capelães na Academia Militar, para o Regimento de Cavalaria 3 de Estremoz. Daqui partiu como capelão militar para a Guiné-Bissau.
Regressado da guerra colonial, em 1971, foi nomeado por D. Américo Henriques para integrar a Equipa Formadora do Seminário Maior de Lamego, no qual exerceu sucessivamente os cargos de prefeito, vice-reitor e reitor.
Licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade Católica Portuguesa, área em que exerceu a docência no Seminário e no Instituto Superior de Teologia Beiras e Douro, até 2008. Na qualidade de reitor do Seminário esteve no processo que levou à criação do Instituto. Numa entrevista à Voz de Lamego, em novembro de 1998, fundamentou a mais-valia desta iniciativa, revelando a largueza do seu olhar. Afirmou que apesar de Lamego não ter falta de sacerdotes, “as dioceses têm de enveredar pelos caminhos de partilha com outras, mesmo para além das fronteiras do país.” E concluía que “nesta perspetiva de abertura, não podemos dizer que o número de sacerdotes é suficiente.”
Desde 2008 que vivia na sua terra natal, Picão, onde, desde 2001, até ao início de 2023 exerceu como pároco.
Durante a longa estadia em Lamego foi muitos anos capelão no Bairro da Ponte onde era muito querido. Para aí se deslocava todos os dias, a pé, conversando com as pessoas que estimava e que dele recebiam palavras de conforto e a quem alimentava a fé com a pontualidade e entrega que o caracterizavam.
Outro campo em que muito se empenhou foi no Movimento dos Convívios Fraternos. Foi, durante anos, a “alma” deste movimento juvenil. Animou muitas dezenas de Convívios Fraternos e contam-se por milhares os jovens que aí beneficiaram do seu zelo pastoral. Na Casa de São José. Nessa casa onde chegou na tarde do dia 5 para aí, nessa noite, adormecer no Senhor.
No dia 7 foi a sepultar na sua terra natal, rodeado pelo carinho dos seus familiares, conterrâneos, amigos e mais de 50 sacerdotes que concelebraram a missa de corpo presente presidida pelo nosso bispo.
Agora a sua janela é mais alta. É na casa do Pai a quem sempre procurou com a inquietação de um enamorado que procura conhecer mais para amar melhor.
Da sua janela nos continua a interpelar o seu testemunho e nos conforta a certeza da sua intercessão.
Pe. João Carlos Morgado, in Voz de Lamego, ano 94/14, n.º 4742, de 14 de fevereiro de 2024.
