1. Quando vemos arder pessoas, casas, animais, campos, árvores, montes, tudo varrido num infindável instante pelo fogo, pelo fumo, pelo vento, claro que não podemos ficar quietos, tranquilos e calados. Quando vemos a terra à força enviuvada, e o sol e a lua, nossos irmãos, vestidos de sangue carregado, não podemos fechar os olhos e as mãos, as entranhas e o coração. Quando ouvimos os gritos angustiados de tantos de nós que veem os seus bens arrebatados pelas chamas e o futuro ali à sua frente trucidado, não podemos apagar a dor que nos sufoca e continuar a dormir um sono sossegado. Quando vemos exaustos os bombeiros cujos braços são iguais aos meus, e que continuam a travar uma luta desigual com mil fogos desregrados, louvemo-los, mas sobretudo ajudemo-los e imitemo-los. Obrigado, soldados da paz.
2. A todos os meus irmãos de todo o centro-norte do meu país, também da minha Diocese, sobretudo da linha do Paiva, Castro Daire, Alvarenga, Oliveira do Douro, Freigil, que continuam a sofrer desamparados, a minha comunhão de irmão, a minha oração, a minha solidariedade e entreajuda. E assim também de todas as comunidades. E um grande grito de esperança. Eu também já estive no meio de fumos e fogos cruzados sem saber bem o que fazer. Fez Deus por mim e comigo. Sei-o bem.
3. Todavia, neste momento triste e adolorado, não posso deixar de deixar no ar um grito que se oiça em todo o lado, mas sobretudo pelos meus irmãos investidos em autoridade no meu país, no seu todo, e em cada uma das suas parcelas. E pergunto: 1) não somos nós a humanidade por Deus criada? 2) O que é feito da liberdade e responsabilidade que nos deu? 3) Não partilhou Deus connosco o seu poder omnipotente, a sua ciência omnisciente, a sua presença omnipresente, a sua vida vivente? 4) Então, o que temos feito da parte que nos toca? 5) E o que vamos fazer?
4. Esta pode ser a hora, esta é a hora de todos vermos melhor o que estamos a fazer para deixar este interior do país abandonado. Esta é a hora, esta pode ser a hora de todos prestarmos a devida atenção a este belo chão que Deus nos deu. Esta tem de ser a hora de usar a razão e o coração.
5. Assim Deus nos ajude. Ele faz sempre bem a sua parte. Nós é que não.
Lamego, 18 de setembro de 2024
+ António Couto, Bispo de Lamego