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Homilia de D. António Couto na Missa do Galo

NOITE DE NATAL 2024
Is 9,1-6; Sl 96; Tt 2,11-14; Lc 2,1-14

1. Isaías assistiu à guerra siro-efraimita, em 734 a.C., e à invasão militar assíria que se lhe seguiu, e que transformou a região setentrional de Zabulão e Neftali, na Galileia, em três províncias assírias (Galaad, Meguido e Dor). Isaías diz este período doloroso com a metáfora das trevas (Isaías 8,21-23), mas anuncia com júbilo a luz que vence as trevas, a paz que vence a guerra (Isaías 9,1), com o fim das fardas militares assírias e das botas metalizadas, inovação do equipamento militar assírio, tudo isto destinado a ser pasto das chamas. O fogo espera o seu alimento (Isaías 9,4). E a razão é que «Um menino nasceu para nós,/ um filho nos foi dado,/ e tem o poder sobre os seus ombros» (Is 9,5). Mensagem de paz e de alegria, que é atualizada pelo mensageiro celeste na sua palestra aos pastores dos campos de Belém, com este dizer: «Nasceu-vos hoje na cidade de David um Salvador, que é o Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um recém-nascido envolto em faixas, deitado numa manjedoura» (Lucas 2,11-12).

2. Paradoxo e desconcerto total na nossa mente: um menino que tem o poder sobre os ombros! um recém-nascido, em extrema pobreza, deitado numa manjedoura, e que é apresentado como Salvador! Esbarra esta imagem da mais radical pobreza e impotência de um recém-nascido com a ideia que habitualmente fazemos de Deus, e que passa pela majestade e insuperável grandeza e poder (gebûrah), fora do alcance das nossas mãos e da nossa inteligência, de modo a perguntarmos: «Onde está o teu zelo e o teu poder?» (Isaías 63,15a).  Salomão traduz bem o nosso desconcerto quando, na abertura ao culto do Templo de Jerusalém, se interroga e se admira, exclamando: «Mas será verdade que Deus habita sobre esta terra? Se os céus, e os céus dos céus não o podem conter, muito menos este chão e esta casa que construí! (1 Reis 8,27; 2 Crónicas 6,18). E podemos nós humanamente acrescentar: muito menos o estábulo e a manjedoura de Belém! A menos que tenhamos frequentado a escola inteira de Isaías, que mostra bem o que pensamos sobre Deus quando não sentimos a força da sua mão e perguntamos: «Onde está o teu zelo e o teu poder?» (Isaías 63,15a). A segunda metade do versículo responde logo que a omnipotência de Deus não está num poder semelhante ao das armas, mas sim na misericórdia (rahªmîm) (Isaías 63,15b).

3. O insigne mestre das escolas de Alexandria e de Cesareia Marítima, o genial Orígenes (185-254), diz a mesma coisa com uma imagem sublime. Escreveu ele: «Suponhamos que se fez uma imagem de tal modo grande que, dada a sua imensidão, dentro dela conteria o mundo inteiro, e que, devido à sua imensidão, não podia ser vista por ninguém». E continua: «Fez-se então também uma segunda imagem, em tudo semelhante à primeira, pela configuração dos membros e pelos traços do seu rosto, pela forma e pela matéria, sem, todavia, ser tão grande: aqueles que não podiam examinar e contemplar a primeira devido à sua imensidão, podiam, pelo menos, ao ver a pequena, acreditar que viam a grande, por serem as duas absolutamente semelhantes». E conclui: «Foi assim que o Filho de Deus, despojando-se da sua igualdade com o Pai, entrou no nosso mundo assumindo a forma minúscula de um corpo humano, e mostrou em si mesmo, mediante as suas obras e o seu poder, a grandeza infinita e invisível de Deus Pai nele presente» (Perì Archôn, I, 2, 8).

4. No mesmo esplêndido sentido, ensinam os antigos Padres da Igreja, de tradição e língua grega, que Deus abreviou a sua Palavra. É assim que a Palavra de Deus é o seu próprio Filho, Palavra eterna, que se fez pequena, para caber numa manjedoura, que se fez criança, para caber no colo de uma mãe, nos braços de um pai, para poder ser acolhida, amada e compreendida!

5. E aí está então, amados irmãos e irmãs, o Presépio diante de nós. Na sua versão original aconteceu em Belém há 2000 anos, com o Menino deitado na manjedoura de um estábulo de 12,30 metros de comprimento por 03,50 metros de largura, ainda hoje patente aos peregrinos na cripta da Basílica da Natividade, em Belém, embora, pelos motivos de todos conhecidos, haja lá hoje menos alegria e muito menos peregrinos.

6. Contemplai, amados irmãos e irmãs, contemplai longamente o Presépio de Belém, e vereis o Menino deitado na manjedoura, o carinho de Maria e de José, o sorriso largo dos pastores, os presentes dos magos, o terno aconchego do manso boi e do pacífico jumento, as ovelhas meigas vestidas de um manto de brancura. Vereis e ouvireis ao vivo a música dos anjos e o celeste recital que ali se deu!

7. Recordai, irmãos e irmãs, recordai outra vez comigo a noite de Natal de há precisamente 801 anos atrás, em 1223, na aldeia de Greccio, uma aldeia pobre, vizinha de Assis. Jesus estava então esquecido, e o seu Natal apagado na nossa velha Europa. E, para acordar as pessoas e avivar-lhes a memória, S. Francisco de Assis resolveu fazer um presépio na aldeia de Greccio. Mas o presépio sonhado por Francisco era um presépio especial. Tão especial que não tinha nem Maria nem José, nem sequer o Menino Jesus! Francisco tinha pedido aos camponeses que pusessem lá apenas uma manjedoura, e que trouxessem um burro e um boi, e os colocassem um de cada lado da manjedoura. E que pusessem muito feno na manjedoura, para que os animais pudessem comer em abundância.

8. O presépio não tinha nem Maria nem José, nem o Menino Jesus! A ideia genial de Francisco era expor nessa noite a toda a luz a verdade do Natal. Por isso, em vez de colocar a imagem do Menino Jesus na manjedoura, como fazemos nós ainda hoje, e como podeis ver no presépio ali ao fundo desta Catedral, Francisco fez o presépio como atrás referido, com a manjedoura, mas sem o Menino Jesus. O que fez então? Montado o presépio sem Maria nem José nem o Menino, só com o burro e o boi e a manjedoura, deu-se então início à celebração da Eucaristia. A manjedoura foi o altar, e aí se fez presente ao vivo o próprio Jesus, como acontece em cada Eucaristia, para ser por todos adorado. Amados irmãos e irmãs, façamos nós também assim nesta Noite Santa, e adoremos o Menino vivo no meio de nós.

 

Igreja Catedral de Lamego, Homilia na Missa da Noite de Natal, 24-25 de dezembro de 2024

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