Peregrinação do Concelho de Resende ao Santuário de Santa Maria de Cárquere: uma manifestação jubilosa de fé, unidade, esperança e pertença eclesial
Na paisagem serena e verdejante que envolve o Santuário de Santa Maria de Cárquere, Padroeira do Concelho de Resende, cumpriu-se mais uma vez, no IV Domingo de Maio, o tradicional gesto de devoção comunitária e unidade pastoral que, ano após ano, congrega centenas de fiéis oriundos das diversas paróquias do concelho. Esta peregrinação — expressão de fé vivida em comunhão, com raízes profundas na história e identidade das gentes resendenses — constitui, mais do que um rito consolidado, um verdadeiro testemunho de pertença eclesial e de confiança filial na proteção materna de Maria Santíssima.
As celebrações tiveram início no sábado, 24 de Maio, com a solene celebração da Eucaristia, durante a qual várias crianças da comunidade local fizeram a sua Primeira Comunhão e Profissão de Fé, assumindo publicamente o desejo de caminhar na fé da Igreja, com a simplicidade e a alegria próprias da infância.
No dia seguinte, domingo 25, a manhã começou com as procissões organizadas por cada paróquia do concelho — Anreade, Barrô, Cárquere, Feirão, Felgueiras, Freigil, Miomães, Ovadas, Paus, Resende, São Cipriano, São João de Fontoura, São Martinho de Mouros e São Romão de Aregos — que, partindo de pontos previamente determinados, e lideradas pelos respetivos párocos, se dirigiram, em oração e cântico, ao Santuário, formando, numa convergência de passos e intenções, um único cortejo solene de louvor, súplica e ação de graças. A recitação das Ladainhas de Todos os Santos, entrecortada pelo murmúrio dos cânticos marianos e o compasso orante dos fiéis, deu à peregrinação o tom penitencial e intercessor que sempre a caracterizou.
À chegada ao amplo e arborizado Largo do Carvalhal, teve lugar o ponto culminante desta jornada espiritual: a solene Celebração Eucarística, presidida por Sua Excelência Reverendíssima, Dom António Couto, Bispo de Lamego, e concelebrada pelos párocos presentes, entre os quais os Reverendos Padres Joaquim C. Duarte e José Alfredo, e assistida pelo diácono ao serviço da zona pastoral. Nesta celebração, marcada por um clima de profunda piedade e alegria serena, trinta e dois jovens da zona pastoral receberam o Sacramento do Crisma, sendo ungidos com o santo óleo do Crisma e fortalecidos com o dom do Espírito Santo, para viverem como testemunhas corajosas de Cristo no mundo.
Na homilia, Dom António Couto dirigiu uma palavra de especial carinho às crianças que, no dia anterior, haviam feito a sua Primeira Comunhão, bem como aos crismandos e às suas famílias, lembrando que Maria, cuja presença celebrávamos sob a invocação de Santa Maria de Cárquere, é a Mãe que, em atitude de serviço e visitação, nos traz o próprio Jesus. “A Senhora da Visitação — afirmou — transporta o Menino que é a chave da nossa vida, desde os primórdios da Igreja”.
Meditando os textos litúrgicos do VI Domingo da Páscoa (Ano C), o Bispo de Lamego propôs uma leitura teológica exigente e atual da Palavra de Deus. Referindo-se à controvérsia que agitava a comunidade de Antioquia (cf. Atos dos Apóstolos), entre a fidelidade à Lei de Moisés e a novidade da fé em Cristo, afirmou com vigor: “Cristo é a única solução para aquele buraco na terra onde cada um de nós vai cair um dia… Cristo é a chave da nossa vida!”. Esta expressão, marcada pela frontalidade bíblica e pela linguagem imagética característica do Prelado, ressoou com intensidade entre os presentes, levando-os a reconhecer que apenas Cristo oferece sentido pleno à existência humana, inclusive no limite derradeiro da morte.
Comentando a leitura do Livro do Apocalipse, Dom António evocou a imagem da Cidade Santa que desce do Céu, cidade nova, fundada em Deus, construída sobre doze alicerces e doze portas, e resplandecente com a luz da glória de Deus, simbolizada pela pedra de jaspe. “Não esqueçamos Deus — advertiu — sem Ele não há nenhuma construção espiritual que se possa fazer… essa cidade nova é iluminada por Cristo, que é o brilho da pedra preciosa”. Foi um apelo claro à centralidade de Deus na vida pessoal e comunitária, e à edificação da Igreja como espaço de luz, de encontro e de salvação.
Por fim, ao comentar o Evangelho de João, Dom António deteve-se na promessa de Cristo aos seus discípulos: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá”. Sublinhou que esta paz, longe de ser uma simples ausência de conflito ou fruto de negociação humana, é dom gratuito de Deus, sinal da presença viva do Ressuscitado no coração dos crentes. “A paz de Jesus é dada, não conquistada nem negociada. E quem a recebe pode viver tranquilo, como Maria, sentada, rodeada de flores, com a confiança colocada em Deus”. Um convite à confiança serena e à entrega total à vontade divina, mesmo no meio das incertezas e tribulações do mundo.
O senhor Bispo concluiu a sua homilia dirigindo-se aos jovens crismados, encorajando-os a acolherem o Espírito Santo com entusiasmo e docilidade, e a tornarem-se discípulos missionários, portadores de paz, de alegria e de esperança nas suas famílias, escolas, comunidades e ambientes de vida. “Recebei com alegria esfuziante o Espírito de Deus… levai-o aos jovens, aos adultos, aos idosos, a todos os que precisam de Deus… deixai-vos alumiar pela luz de Deus”.
Após a celebração, seguiu-se a tradicional Consagração do Concelho, das suas paróquias e das famílias à maternal proteção de Nossa Senhora de Cárquere. Este momento, marcado por grande recolhimento e emoção, encerrou com a solene procissão do adeus, no regresso da veneranda imagem de Santa Maria à sua igreja.
A peregrinação anual ao Santuário de Cárquere não é apenas a repetição de um hábito ancestral; é um itinerário espiritual, uma travessia interior e comunitária rumo à fonte da fé, da esperança e da caridade. É também a proclamação pública de que Maria, como Mãe da Igreja e modelo dos crentes, continua a conduzir os seus filhos a Cristo, Luz do mundo e Príncipe da Paz. Nesta hora em que tantas vozes semeiam a dúvida, a dispersão e a desconfiança, a peregrinação de Resende ergue-se como sinal luminoso de que é possível viver enraizados em Deus, unidos na fé e comprometidos com o bem comum. Que Santa Maria de Cárquere continue a velar pelas famílias, a inspirar os pastores e a interceder por este povo que, entre vales e montes, sabe caminhar com Maria para Cristo.
Diác. Eduardo Pinto, in Voz de Lamego, ano 95/28, n.º 4805, de 28 de maio 2025