IGREJA DE LAMEGO, SEGUE O TEU SENHOR!
«Anunciar o Evangelho constitui, de facto, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua identidade mais profunda. A Igreja existe para Evangelizar» (Beato Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi [1975], n.º 14).
1. «O Espírito do Senhor sobre mim, porque o Senhor me ungiu para anunciar o evangelho aos pobres», assim se diz a si mesmo o profeta de Isaías 61,1. «O Espírito do Senhor sobre mim, porque o Senhor me ungiu para anunciar o evangelho aos pobres», repete Jesus na sinagoga de Nazaré (Lucas 4,18), assumindo sobre Si a missão da paz e da alegria do Ano da Graça do Senhor. Em Cesareia Marítima, em casa do centurião romano Cornélio, Pedro desenha nestes termos esta bela missão de Jesus: «Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, a partir do Batismo que João anunciou: como Deus ungiu com o Espírito Santo e com poder Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando todos os que estavam sob o poder do diabo» (Atos dos Apóstolos 10,37-38). Bem entendido, Pedro mostra Jesus, ungido com o Espírito Santo, a atravessar todo o território de Israel e de Lamego, todo o território, mas também as artérias do coração, num verdadeiro vendaval de mansidão que enche as pessoas de Bem, de Bondade e de Beleza, unindo-as e reunindo-as, verdadeiro denominador comum, dando-lhes uma nova esperança, desenhando um movimento contrário à divisão operada pelo diabo, sempre apresentado como o máximo denegridor e divisor comum. É assim que Jesus é apresentado a cumprir a missão da paz e da alegria do Ano da Graça do Senhor.
2. O Livro do Levítico expõe, num versículo sobrecarregado (25,9), o milagre do Ano da Graça do Senhor ou Ano Jubilar ou Jubileu. Este Ano da Graça ou Ano Jubilar, que se celebra de 50 em 50 anos, abre na Festa do yôm-kippûr do ano 49 e fecha na Festa das Tendas do Ano 50. Abre-o e fecha-o o toque do shôphar, que emite um som cavo, fundo e intenso. Mas mais do que as ferramentas, importa mostrar a mensagem do texto, que é aquele acicate contido no texto, com que o texto nos atinge, nos explica e nos implica. Lembro que o texto é muito pequeno, um só versículo, que começa com: «tu farás passar um shôphar», e termina com: «vós fareis passar um shôphar». Não sei se isto vos diz alguma coisa. Mas faço notar que se trata da mesma expressão repetida, palavra por palavra, com uma pequena, grande diferença: a passagem do «tu» para o «vós»: «tu farás passar um shôphar»; «vós fareis passar um shôphar». O milagre ou o acicate do Ano da Graça do Senhor ou Ano Jubilar reside todo nesta passagem do «tu» para o «vós», ou seja, na passagem de uma simples soma ou amontoado de indivíduos para um Povo unido e reunido que encontra a sua identidade e unidade, não conquistando-a, mas recebendo-a. As coisas supremas não são planificáveis. Já estão prontas para receber.
3. Voltando a ler o texto, ficamos com a impressão de uma verdadeira procissão ou avalanche de Graça que vai atravessando o território de Israel, e, à medida que vai passando, vai engrossando e congregando todas as pessoas, mais ou menos à semelhança de quem vai entrando numa farândola, que é uma antiga dança provençal executada de mãos dadas. No nosso caso, caríssimos irmãos no sacerdócio e no batismo, que formamos o corpo vivo da nossa Diocese de Lamego, tratar-se-ia da extraordinária operação de passagem de não sei quantos indivíduos para uma verdadeira família Diocesana. Esta extraordinária passagem do shôphar e de Jesus Cristo pelo território de Israel e da nossa Diocese de Lamego, e aquele simples «porque o Senhor me ungiu», «porque o Senhor nos ungiu», projetam no horizonte o milagre de um banho de água batismal, um caudal de óleo crismal a escorrer pela cabeça, pelo rosto, pelas vestes deste agora Povo de Deus, todo sacerdotal e santo (Êxodo 19,6; 1 Pedro 2,5.9; Apocalipse 1,4-6; 5,10), mas que antes não era sequer povo (1 Pedro 2,10).
4. Povo Santo de Deus, aí está a tua bela e funda identidade: Povo batizado, crismado, cristificado. Encharcado em Cristo e de Cristo. Por isso, diz bem São Paulo aos Coríntios: «Vós sois de Cristo (tu és de Cristo), e Cristo é de Deus» (1 Coríntios 3,23). «Porque o Senhor me ungiu», diz o profeta. «Porque o Senhor me ungiu», diz Jesus Cristo. «Porque o Senhor nos ungiu», digamos nós também. Significa isto, antes de mais, amados irmãos no sacerdócio, no batismo e na unção, que, para nos ungir com o seu óleo perfumado, Deus se aproxima tanto de nós, que toca em nós com as suas mãos carinhosas e infunde em nós, com um beijo, o seu alento criador! Exatamente como fazemos nós, ou como Deus faz por nós, quando ungimos com o óleo do crisma os recém-batizados, os crismados, os sacerdotes, os bispos, o corpo da igreja e os altares no dia da sua dedicação.
5. «O Espírito do Senhor sobre mim, porque o Senhor me ungiu para anunciar o evangelho aos pobres», assim se diz a si mesmo o profeta de Isaías 61,1. «O Espírito do Senhor sobre mim, porque o Senhor me ungiu para anunciar o evangelho aos pobres», repete Jesus na sinagoga de Nazaré (Lucas 4,18), assumindo sobre Si a missão da paz e da alegria do Ano da Graça do Senhor. «Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, a partir do Batismo que João anunciou: como Deus ungiu com o Espírito Santo Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem» (Atos dos Apóstolos 10,37-38). Caríssimos irmãos no sacerdócio, que formais comigo o presbitério da Igreja de Lamego, caríssimos irmãos no batismo e na unção, Igreja amada de Lamego: responde Hoje pela tua identidade e unidade, não conquistadas, mas de Graça recebidas! Ou «que tens tu que não tenhas recebido?» (1 Cor 4,7). Passemos, pois, do «tu» para o «vós», do «eu» para o «nós». Ungidos por Deus com o Espírito Santo, passemos nós também, como Jesus e com Ele, por toda a nossa terra, enchendo as pessoas de Bem, de Bondade e de Beleza.
6. Igreja amada de Lamego, vela, zela, renova e responde Hoje, neste dia imenso, pela tua identidade e unidade! Deus antes de ti, contigo, à tua volta! Responde alto e fundo, dando testemunho da tua vida ungida, vida cristificada, vida em Cristo! Responde à maneira de Jesus, que contemplámos, no Domingo passado, no relato da Paixão que nos ofereceu o Evangelho de Marcos. Certamente reparastes que, no processo sumário a que é submetido, e às acusações que lhe são feitas, Jesus nada responde, mantendo-se em silêncio, como vai pontuando o narrador. Apenas por duas vezes Jesus quebra o silêncio para responder a duas perguntas. A primeira é feita pelo sumo-sacerdote: «És tu o Cristo, o Filho do Bendito?», a que Jesus responde: «Eu sou!» (cf. Marcos 14,61-62). A segunda é feita por Pilatos: «Tu és o Rei dos Judeus?», a que Jesus responde: «Tu o dizes!» (cf. Marcos 15,2). É grandemente significativo e exemplar para nós que Jesus só responda às perguntas que lhe são feitas sobre a sua identidade! À imagem do teu Senhor, não deixes tu também de responder, Igreja amada de Lamego, acerca da tua identidade. Di-lo com palavras, mas fá-lo sobretudo com o testemunho.
Lamego, 29 de março de 2018, Quinta-Feira Santa, Homilia na Missa Crismal
+ António, vosso bispo e irmão