IGREJA DE LAMEGO, ANUNCIO-TE UMA GRANDE ALEGRIA, QUE É: ALELUIA!
1. «Este é o Dia que o Senhor fez!» (Salmo 118,25). Aleluia! Este é o Dia que o Senhor nos fez! Aleluia! Este é o Dia em que o Senhor nos fez! Aleluia! «Por isso, estamos exultantes de alegria» (Salmo 126,3). Aleluia!
2. Este é o Dia em que desfiamos com amor o rosário das tuas maravilhas, tantas elas são, percorrendo a avenida das tuas Escrituras desde a Criação até à Páscoa, desde a Páscoa até à Criação. Tanto faz. Porque neste Dia novo o tempo não nos mede e nos afasta e nos cataloga em séculos e milénios, mas põe-nos todos a conviver lado a lado. É assim que lemos e compreendemos que no teu «Filho amado», Jesus Cristo, Imagem tua e «primogénito dos mortos», «tudo foi criado» (Colossenses 1,16), «e sem Ele nada foi feito» (João 1,3). Lemos e compreendemos que o «teu Filho, Jesus Cristo, não foi Sim e não, mas unicamente Sim» (2 Coríntios 1,19). Passeámos assim no jardim da tua Criação boa e bela, visitámos as suas 452 palavras (Génesis 1,1-2,4a), e nelas não encontrámos, de facto, um único «não». Se o teu Filho amado, Jesus Cristo, Imagem tua e primogénito dos mortos, foi sempre Sim e nunca não, e se foi n’Ele que foram criadas todas as coisas, então a Criação inteira tem também de ser Sim, Sim, Sim, e nunca não.
3. Que belo mundo novo, Senhor, quiseste depositar nas nossas mãos! Que grande Sim nos confiaste, Senhor, antes de nós merecermos de Ti qualquer confiança! Visitámos depois o Egipto opressor, e de lá, Tu nos libertaste, Senhor, fazendo-nos atravessar a pé enxuto o mar Vermelho, como se fosse uma «planície verdejante» (Sabedoria 19,7). Vestíamos roupas brancas, trazíamos o coração em festa, e nos lábios um cântico novo, como sucede também ainda hoje, Senhor, neste Dia admirável da tua Ressurreição, em que cantamos outra vez com inefável alegria: «Minha força e meu canto é o Senhor! A Ele devo a minha liberdade!» (Êxodo 15,2).
4. Com Isaías e Ezequiel, recordámos depois as paisagens tristes e sombrias do nosso exílio, mas também da tua admirável protecção. Diz uma velha história rabínica que, um dia, «os jovens perguntaram ao velho rabino quando começou o exílio de Israel. Ao que o arguto rabino terá respondido que o exílio de Israel começou no dia em que Israel deixou de sofrer pelo facto de estar no exílio». Compreenda-se, portanto, que o exílio verdadeiro não consiste simplesmente em estar longe de casa ou da pátria, mas sobretudo em tornar-se indiferente e insensível, sem causas, sem sonhos e sem esperas, gastando o nosso dinheiro com aquilo que não alimenta, e esquecendo o teu insistente convite: «Vinde e comprai sem dinheiro vinho e leite […]. Ouvi-me, ouvi-me, e comei o que é bom» (Isaías 55,1-3). Era assim que andávamos, Senhor, perdidos longe de ti e longe de nós. Mas também lá, à perdição em que andávamos, chegou a tua mão criadora, redentora, libertadora e carinhosa, e reconstruíste a nossa vida sobre a alegria, embelezaste o nosso rosto com óleo perfumado, e vestiste-nos com a veste branca dos teus filhos. E como se isto não enchesse a medida do teu amor sempre sem medida, ainda fizeste connosco uma Aliança nova, e deste-nos um coração novo e um espírito novo, nova pulsação, nova alegria, novo alento, em pura sintonia com o pulsar do teu coração e do teu sopro criador.
5. Coração novo, música nova, ensinada pelos Anjos nos campos de Belém: Gloria in excelsis Deo! Outra vez lado a lado, oh milagre da Escritura Santa, dois acontecimentos no tempo separados: o nascimento de Jesus e a sua morte e Ressurreição: os mesmos Anjos, as mesmas faixas a envolver o Menino e o Crucificado, o Menino deposto na manjedoura, o Crucificado deposto no sepulcro. Extraordinária acostagem do Menino e do Crucificado. E S. Paulo a descodificar o nosso Batismo, pelo qual somos sepultados com Cristo, para com Ele ressurgirmos para uma vida nova (Romanos 6,3-5).
6. E assim chegamos sempre ao Ressuscitado. Àquele Jesus Cristo, Crucificado, Morto e Sepultado, segundo as Escrituras, que se levanta do chão raso e da folha plana de papiro ou de papel, elevando a humana vida e a inteira Escritura à sua Plenitude. Era, na verdade, muito grande aquela pedra que barrava a entrada e a saída do sepulcro (Marcos 16,3-4). Quem a pode retirar? A pedra da morte é sempre intransponível para as nossas forças. Tem, por isso, de ser trabalho de Deus. É assim que as mulheres que vão de madrugada ao sepulcro, veem com espanto a pedra do sepulcro para sempre retirada (apokekýlistai: perf. pass. de apokylíô), e, entrando, veem, com não menor espanto, um Anjo vestido de branco, sentado do lado direito.
7. A pedra muito grande retirada, no tempo perfeito, representa a porta da habitação da morte para sempre aberta. O modo passivo (passivo divino ou teológico) do verbo revela que um tal operar é coisa só Deus. «Sentado», indica que tem autoridade para falar. «O lado direito» é o lado favorável (cf. Marcos 12,36; 14,62), e sugere que é portador de boas notícias. A cor branca é a cor celeste (cf. Marcos 9,3). Só dele pode vir este dizer com autoridade: «Procurais Jesus de Nazaré, o Crucificado? Ressuscitou; não está aqui (...). Ide dizer aos seus discípulos e a Pedro que Ele vos precede na Galileia. Lá o vereis, como vos disse» (Marcos 16,6-7). Ao mandar levar a notícia aos seus discípulos, acrescenta especificamente o nome de Pedro. É como que o reconhecimento de que o arrependimento e as lágrimas de Pedro pela sua tríplice negação (cf. Marcos 14,66-72) foram aceites. É quase como dizer que, ao contrário do «não conheço esse homem», dito por Pedro a respeito de Jesus (Marcos 14,71), Jesus manda dizer, por meio do Anjo: «mas Eu conheço-te, Pedro, e ver-me-ás de novo!». Fica ainda claro que Ele nos precede sempre, e que, portanto, o nosso verdadeiro lugar é sempre «atrás d’Ele», que permanece sempre o único Senhor e o único caminho da nossa vida.
8. O relato evangélico é sóbrio, mas rico e denso. Fiel a esta intensa sobriedade, a arte cristã nunca se atreveu a representar a ressurreição antes dos séculos X-XI. É tal o fulgor da Luz deste mistério, que ficará sempre no domínio do inefável, que simultaneamente ilumina e esconde. É por isso que a Paixão é um relato, mas a Ressurreição, que põe fim ao relato, só nos pode chegar como Notícia, vinda de fora, como a Aurora. Neste sentido, o Ritual da Liturgia desta Noite Santa manda que, após a leitura da Epístola, e antes do canto do Aleluia, o diácono se dirija ao bispo para lhe dizer: «Anuncio-vos uma grande alegria, que é: Aleluia!».
9. É por isso que esta Noite é uma fulguração de Luz e Lume novo. Desde as brasas acesas, ao Círio Pascal aceso, ao nosso coração aceso como o dos discípulos de Emaús. É também por isso que o Batismo começou por ser chamado «Iluminação», sendo a Vigília Pascal também a grande Noite Batismal. E cada batizado levará para sempre a arder dentro de si este Lume novo, de que não pode fugir, e que ninguém pode apagar.
10. Lume novo, lareira acesa na cidade,/ És Tu, Senhor, o clarão da tarde,/ A notícia, a carícia, a ressurreição./ Ilumina, Senhor, a tua Igreja Santa, e os seus novos filhos que hoje nascem na fonte batismal. Que os nossos passos sejam sempre firmes, e o nosso coração sempre fiel. Vem, Senhor Jesus! Aleluia!
Lamego, 31-01 de março-abril de 2018, Homilia na Vigília Pascal
+ António, vosso bispo e irmão