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Homilia de D. António Couto na Ordenação Sacerdotal do Diogo Martinho

1. Aí tens, meu irmão Diogo Martinho, escolhido pelo dedo de Deus para o ministério dos Presbíteros; aí tens, amado irmão, diante dos teus olhos e dos teus passos, os primeiros traços com que Lucas começa a desenhar, no Capítulo X do seu Evangelho, a figura do discípulo de Jesus. É sabido que Lucas dedica o Capítulo X do seu Evangelho à produção e exposição do retrato do discípulo de Jesus. E fá-lo, compondo um tríptico, três notáveis quadros, que vão ser expostos diante dos nossos olhos, hoje e nos próximos dois Domingos. Trata-se de uma verdadeira exposição de pintura (Lucas escreve como quem pinta), de que deixo aqui o catálogo dos três quadros: 1) o envio dos 72 discípulos em missão (v. 1-20); 2) o bom samaritano (v. 25-37); 3) Maria sentada aos pés de Jesus (v. 38-42).

2. Entregue o catálogo, procedo já à abertura desta exposição, descerrando diante dos nossos olhos o primeiro quadro: o envio dos 72 discípulos em missão. Anotemos as tintas e os traços principais: 1) os 72 discípulos não vão por conta própria: são enviados por Jesus; a cena é um exclusivo de Lucas: nenhum outro Evangelho a narra; dá nas vistas porque, no Capítulo anterior, Jesus enviou em missão os Doze (Lucas 9,1-6); esta é a maneira de compreendermos que nestes 72 são todos os discípulos de Jesus que são enviados em missão; 72 representa uma totalidade: a tradição bíblica antiga contava 72 nações sobre a terra: de todas as nações para todas as nações; 2) vão dois a dois; prontos para dar um testemunho credível, como requer a Lei antiga (Deuteronómio 17,6), mas também como os exploradores da Terra Prometida, com olhos novos, que veem um cacho de uvas, e compreendem que são precisos dois homens para o transportar (Números 13,23); o trabalho do Evangelho não o faz cada um por si: congrega mãos e vontades: faz comunhão, como um cacho de uvas, uma taça de vinho, um pedacinho de pão; 3) não vão como protagonistas; são precursores de Jesus, abridores de caminhos, batedores que vão à frente de Jesus, a lugares aonde irá a seguir o próprio Jesus; 4) são enviados como cordeiros, isto é, devem ser mansos e humildes de coração, como Jesus (cf. Mateus 11,29); o cordeiro tem uma grande visibilidade na Escritura, desde o Êxodo, passando pelo Servo de YHWH, de Isaías 53,7, até Jesus: o cordeiro é sempre manso, não mata, mas é morto, a sua carne alimenta, o seu sangue salva; 5) os discípulos são enviados sem bolsa, nem saco, nem sandálias; não se trata de usarem apenas alguns meios, poucos meios; trata-se de serem mesmo pobres; 6) sem meios materiais, mas com a paz (shalôm), que é a salvação e a felicidade que devem entregar a todas as mãos que se abrirem; 7) partiram de junto de Jesus, enviados por Jesus, e é a Jesus que regressam: não podem viver sem Jesus; como São Paulo, na sua lição de hoje, a confessar que leva consigo os estigmas de Jesus (Gálatas 6,17); 8) regressam do trabalho da missão, cheios de Alegria.

3. Não te esqueças, caríssimo Eleito, meu irmão Diogo Martinho. É Jesus que te chama e te envia num trabalho de Evangelização. Não fiques por lá, parado ou paralisado em qualquer sítio. O teu sítio é Jesus. Terás sempre de regressar a Jesus. Entretanto, não esqueças também que o trabalho da Missão, a que és CHAMADO e ENVIADO por Jesus, é um trabalho de ALEGRIA, de acordo com a indicação precisa de Jesus: «A SEARA (therismós) é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi, então, ao Senhor da SEARA (therismós) que mande trabalhadores para a sua SEARA (therismós)» (v. 2). Amados irmãos e irmãs, caríssimo Eleito, não nos deixemos enredar no canto da sereia ou do velho do Restelo. Lamentamo-nos muito nos tempos que correm, dizendo mais ou menos isto: cada vez vai menos gente à igreja; a prática dominical caiu quase 50%; há uma quebra acentuada de batizados e casamentos; há poucas crianças na catequese, e não querem saber de nada; quem é que as atura?; depois do Crisma, vão todos embora; ninguém quer saber da mensagem do Evangelho; este mundo está perdido…

4. Amados irmãos e irmãs, caríssimo Eleito, reitero que Jesus nos envia para um trabalho de Alegria, e recoloco diante de nós a indicação exemplar de Jesus: «A SEARA (therismós) é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi, então, ao Senhor da SEARA (therismós) que mande trabalhadores para a sua SEARA (therismós)». O termo grego para dizer SEARA, no Evangelho, é sempre therismós, que tem sempre a ver com a CEIFA, e nunca com a sementeira. Sim, biblicamente falando, a sementeira é um tempo de lágrimas, mas a CEIFA é um tempo de ALEGRIA e MÚSICA! Diz o Salmo 126: «Vão andando e chorando, levando as sementes; ao voltar, vêm cantando, trazendo braçados de espigas» (Salmo 126,6). Fica então claro que o tempo do discípulo de Jesus é o tempo da CEIFA, e o seu modo é a ALEGRIA!

5. Caríssimo Eleito, amados irmãos e irmãs, verificai bem as pautas musicais que seguis. Fico com a impressão de que muitas vezes as pautas que seguimos não são as que Jesus nos entrega. Nem as pautas, nem o ideário… nem o calendário! Quando o nosso bom povo vê alguém descontrolado, costuma dizer que «não sabe a quantas anda!». Às vezes também me parece que os discípulos de Jesus não sabem a quantas andam! E é então que Jesus intervém, interpelando-nos e reorientando-nos, como se lê no Evangelho de João: «Não dizeis vós que faltam ainda quatro meses para vir a CEIFA (therismós)? Pois Eu digo-vos: “erguei os olhos e vede os campos: estão brancos para a CEIFA!”» (João 4,35).

6. E que mais vos hei de dizer neste Dia de Alegria? «Alegrai-vos com Jerusalém», como nos adverte hoje o profeta Isaías 66,10. Alegrai-vos, rejubilai, regozijai-vos! Jerusalém volta a ser mãe, volta a amamentar e a embalar os seus filhos nos braços. De terra abandonada e desfilhada, desertificada, lacrimada, ei-la de novo desposada, novamente a amamentar e a embalar os seus filhos, e a Alegria a entrar-lhe pela alma adentro. Diocese de Lamego, sente-te amada e agraciada. Caríssimo Eleito, parte com Alegria para a CEIFA. Confia como um filho! Ama como uma mãe! E não esqueças nunca que o teu sítio é Jesus! Amém.


Lamego, 7 de julho de 2019, Dia do Senhor e de Ordenação Sacerdotal
+ António, vosso bispo e irmão

 

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