Bustelo é uma pequena aldeia, banhada pelo Rio Barosa (dizem-me que se escreve com “B” e não com “V”), que faz parte integrante da freguesia de Almofala, concelho de Castro Daire.
É terra de incontestável antiguidade, tendo pertencido ao Couto do Mosteiro de São João de Tarouca. Por aqui passava a velha Estrada Romana que ligava Viseu a Lamego, sendo visíveis ainda, nas proximidades, alguns troços bem conservados da calçada original. Fez parte dos Caminhos de Santiago (por Vila Cova à Coelheira e Tarouca) e passou a fazer parte também das rotas da Senhora da Lapa (pelo Touro e Lamosa) a partir de 1498. A partir dos meados do século XIX por aqui passava a linha telegráfica entre Viseu - Lamego e Vila Real.
Hoje é mais um daqueles lugares duramente fustigados pelos efeitos da famigerada desertificação cujas nefastas consequências estão à vista de todos, como aliás, acontece em toda a região.
No entanto, um punhado de bustelenses, mesmo que radicados em Lisboa, liderados por Olga Martins da Silva constituíram-se em Associação, a que chamaram “Amigos de Bustelo”, que tenta, pelos meios ao seu alcance, travar ou pelo menos atenuar o processo contínuo de despovoamento, acreditando, sabe-se lá, possa acontecer “um milagre” que inverta ou modifique a situação.
Imbuída neste espírito sensibilizador de que não se “pode cruzar os braços” perante a dura realidade e de que “todos têm que fazer a sua parte” para que a sua terra possa continuar a ter futuro, a referida Associação promoveu entre os dias 7 e 11 de agosto o 9.º Convívio dos Amigos de Bustelo, do qual se salienta a realização de um Colóquio, na tarde do dia 10, que trouxe até à pequena aldeia diversas personalidades, para juntos refletirem sobre o que espera Bustelo daqui a 50 anos.
Um destaque especial para a presença de D. António Couto, Bispo de Lamego, que (nem de propósito), poucos meses antes tinha concedido à Rádio Renascença uma entrevista sobre o “interior esquecido”.
Qual “voz que clama em terras desertificadas”, D. António Couto, com a sua cativante simplicidade e a profunda sabedoria que dele emana, começou por dizer que “Bustelo (a exemplo de outras terras com as mesmas características), só acaba se houver desprezo e indiferença”. Dissertando sobre o tema em apreço, o nosso Bispo afirmou que “no passado, Bustelo era rico porque tinha muita gente”. E para o provar, ali está ainda a Escola (agora sem alunos) em cujo recinto nos encontrávamos. Prosseguiu afirmando: “Para quem caminha confiante, o passado é essencial”. E, remetendo para a sua área de formação bíblica, D. António deu como exemplo o povo hebreu que “na construção do seu futuro vira-se sempre para o passado”, o que, no entender de D. António Couto, não acontece com “o homem ocidental moderno, que se não interessa nada pelo passado”, considerando “um erro grave este esquecimento já que o passado deveria andar na frente”. E, quase a terminar a sua sábia intervenção, acrescentou: “Se me guiar pelo passado, sei que estou seguro”.
Na mesa, que tinha ao centro D. António Couto, estavam também, a Presidente da Assembleia Municipal de Castro Daire, Eulália Teixeira; o Vereador, Pedro Pontes, em representação do Presidente da Câmara Municipal de Castro Daire; Vice-presidente da Câmara Municipal e Tarouca, Vereador José Damião; Presidente da Junta de Freguesia de Almofala, José Magalhães; Presidente da Junta de Freguesia de Moledo, Alexandre Pereira; Presidente da Junta de Freguesia de Touro, Mário Morgado, e ainda Carlos Bianchi, membro da Assembleia Municipal de Castro Daire e António Oliveira Giroto, ex-vereador da Câmara Municipal de Castro Daire.
Todos usaram da palavra, apresentando ideias para combater o flagelo da desertificação e tecendo críticas às políticas centrais ao longo de décadas que provocaram as grandes assimetrias entre o Litoral e o Interior, por um lado, e as cidades e o espaço rural, por outro.
Foi dito no decorrer do Colóquio que, “nesta fase, só o trabalho das autarquias já não é suficiente para travar a desertificação. Terá de haver uma política concertada à escala nacional para que tal seja possível e não há vontade para isso”. E eu acrescento: “De que valem as infraestruturas se não há gente para usufruir delas?”
A moderação do colóquio esteve a cargo de Celeste Almeida, uma figura incontornável da cultura castrense e uma voz bem conhecida dos ouvintes da Rádio Limite (Castro Daire) e Lafões (São Pedro do Sul), que terminou deixando no ar a pergunta, para reflexão de todos: “Será que daqui a 50 anos haverá gente em Bustelo para se fazer um colóquio como este?”.
Antes da Missa solene, que a celebrar na Capela da povoação, procedeu-se à inauguração de uma Biblioteca nas instalações da antiga Escola Primária, denominada “A Casa das Palavras”.
Jorge Oliveira, in Voz de Lamego, ano 89/35, n.º 4523, 27 de agosto de 2019