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Discurso do Papa Francisco na comemoração do 50.º da instituição do Sínodo dos Bispos

(Na Carta Pastoral “Igreja de Lamego em caminho e comunhão”, bem como na apresentação da mesma, o nosso Bispo, D. António Couto, recomendou vivamente a leitura desta belíssima reflexão do Papa Francisco sobre a sinodalidade da Igreja, tendo em conta que será a temática que dá mote ao Plano Pastoral Diocesano 2019-2020).

 

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Beatitudes, Eminências, Excelências, Irmãos e Irmãs!

A comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, em pleno andamento da Assembleia Geral Ordinária, é para todos nós motivo de alegria, louvor e agradecimento ao Senhor. Desde o Concílio Vaticano II até à atual Assembleia, temos vindo a experimentar de forma cada vez mais intensa a necessidade e a beleza de «caminhar juntos».
Nesta feliz circunstância, desejo saudar cordialmente o Senhor Cardeal Lorenzo Baldisseri, Secretário-Geral, juntamente com o Subsecretário D. Fabio Fabene, os oficiais, os consultores e restantes colaboradores da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, pessoas que, nos bastidores, trabalham todos os dias pela noite dentro. Juntamente com eles, saúdo e agradeço pela sua presença os padres sinodais, os outros participantes na Assembleia em curso e ainda quantos estão presentes nesta Aula.
Neste momento, queremos recordar também aqueles que, ao longo de cinquenta anos, trabalharam ao serviço do Sínodo, começando pelos sucessivos Secretários-Gerais: os Cardeais Władysław Rubin, Jozef Tomko, Jan Pieter Schotte e o Arcebispo Nikola Eterović. Aproveito esta ocasião para expressar do fundo do coração a minha gratidão a quantos, vivos ou mortos, contribuíram com generoso e competente empenho para o desenrolar da atividade sinodal.

Desde o início do meu ministério como Bispo de Roma, pretendi valorizar o Sínodo, que constitui um dos legados mais preciosos da última sessão conciliar.[1] Segundo o Beato Paulo VI, o Sínodo dos Bispos devia repropor a imagem do Concílio Ecuménico e refletir o seu espírito e o seu método.[2] O mesmo Pontífice previa que o organismo sinodal, «com o passar do tempo, poderia ser aperfeiçoado».[3] Fazia-lhe eco, vinte anos depois, São João Paulo II ao afirmar que «talvez este instrumento possa tornar-se ainda melhor. Talvez a responsabilidade colegial possa expressar-se no Sínodo de uma forma ainda mais plena».[4] Por fim, em 2006, Bento XVI aprovava algumas variações no Ordo Synodi Episcoporum, à luz também das disposições do Código de Direito Canónico e do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, entretanto promulgados.[5]

Devemos continuar por esta estrada. O mundo, em que vivemos e que somos chamados a amar e servir mesmo nas suas contradições, exige da Igreja o reforço das sinergias em todas as áreas da sua missão. O caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio.

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Aquilo que o Senhor nos pede, de certo modo está já tudo contido na palavra «Sínodo». Caminhar juntos – leigos, pastores, Bispo de Roma – é um conceito fácil de exprimir em palavras, mas não é assim fácil pô-lo em prática.

Depois de ter reafirmado que o Povo de Deus é constituído por todos os batizados chamados a «serem casa espiritual, sacerdócio santo»,[6] o Concílio Vaticano II proclama que «a totalidade dos fiéis que receberam a unção do Santo (cf. 1 Jo 2, 20.27), não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da fé do Povo todo, quando este, desde os bispos até ao último dos leigos fiéis, manifesta consenso universal em matéria de fé e costumes».[7] Aquele famoso infalível «in credendo»: não pode enganar-se na fé.

Na exortação apostólica Evangelii gaudium, sublinhei como «o povo de Deus é santo em virtude desta unção, que o torna infalível “in credendo”»,[8] acrescentando que «cada um dos batizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização, e seria inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas recetor das suas ações».[9] O sensus fidei impede uma rígida separação entre Ecclesia docens e Ecclesia discens, já que também o Rebanho possui a sua «intuição» para discernir as novas estradas que o Senhor revela à Igreja.[10]Foi esta convicção que me guiou ao querer que o Povo de Deus fosse consultado na preparação do duplo encontro sinodal sobre a família, como habitualmente se tem feito e faz com qualquer «Lineamenta». Certamente, uma consulta do género não poderia de modo algum ser suficiente para auscultar o sensus fidei. Mas, como teria sido possível falar da família sem interpelar as famílias, auscultando as suas alegrias e as suas esperanças, os seus sofrimentos e as suas angústias?[11] Através das respostas aos dois questionários enviados às Igrejas particulares, tivemos a possibilidade de ouvir pelo menos algumas delas a propósito de questões que lhes tocam de perto e sobre as quais têm muito a dizer.

Um Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, ciente de que escutar «é mais do que ouvir».[12] É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio Episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o «Espírito da verdade» (Jo 14, 17), para conhecer aquilo que Ele «diz às Igrejas» (Ap 2, 7).

O Sínodo dos Bispos é o ponto de convergência deste dinamismo de escuta, efetuado a todos os níveis da vida da Igreja. O caminho sinodal começa por escutar o povo, que «participa também da função profética de Cristo»,[13] de acordo com um princípio caro à Igreja do primeiro milénio: «Quod omnes tangit ab omnibus tractari debet». O caminho do Sínodo continua escutando os pastores. Através dos padres sinodais, os bispos agem como autênticos guardiões, intérpretes e testemunhas da fé de toda a Igreja, que devem saber cuidadosamente distinguir dos fluxos frequentemente mutáveis da opinião pública. Na véspera do Sínodo do ano passado, afirmava: «Para os padres sinodais pedimos antes de mais nada, do Espírito Santo, o dom da escuta: escuta de Deus até ouvir com Ele o grito do povo; escuta do povo, até respirar nele a vontade a que Deus nos chama».[14] Finalmente, o caminho sinodal culmina na escuta do Bispo de Roma, chamado a pronunciar-se como «Pastor e Doutor de todos os cristãos»:[15] não a partir das suas convicções pessoais, mas como suprema testemunha da fides totius Ecclesiae, «garante da obediência e da conformidade da Igreja com a vontade de Deus, o Evangelho de Cristo e a Tradição da Igreja».[16]

O facto de o Sínodo agir sempre cum Petro et sub Petro – por conseguinte, não só cum Petro, mas também sub Petro – não é uma restrição da liberdade, mas uma garantia da unidade.

Com efeito, o Papa é, por vontade do Senhor, «perpétuo e visível fundamento da unidade, não só dos bispos, mas também da multidão dos fiéis».[17] Ligado a isto está o conceito de «ierarchica communio», usado pelo Concílio Vaticano II: os bispos estão unidos ao Bispo de Roma pelo vínculo da comunhão episcopal (cum Petro) e, ao mesmo tempo, estão hierarquicamente sujeitos a ele como Cabeça do Colégio (sub Petro).[18]

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A sinodalidade, como dimensão constitutiva da Igreja, oferece-nos o quadro interpretativo mais apropriado para compreender o próprio ministério hierárquico. Se compreendermos que, como diz São João Crisóstomo, «Igreja e Sínodo são sinónimos»,[19] – pois a Igreja nada mais é do que este «caminhar juntos» do Rebanho de Deus pelas sendas da história ao encontro de Cristo Senhor –, entenderemos também que dentro dela ninguém pode ser «elevado» acima dos outros. Pelo contrário, na Igreja, é necessário que alguém «se abaixe» pondo-se ao serviço dos irmãos ao longo do caminho.

Jesus constituiu a Igreja, colocando no seu vértice o Colégio Apostólico, no qual o apóstolo Pedro é a «rocha» (cf. Mt 16, 18), aquele que deve «confirmar» os irmãos na fé (cf. Lc 22, 32). Mas nesta Igreja, como numa pirâmide invertida, o vértice encontra-se abaixo da base. Por isso, aqueles que exercem a autoridade chamam-se «ministros», porque, segundo o significado original da palavra, são os menores no meio de todos. É servindo o Povo de Deus que cada bispo se torna, para a porção do Rebanho que lhe está confiada, vicarius Christi,[20] vigário daquele Jesus que, na Última Ceia, Se ajoelhou a lavar os pés dos Apóstolos (cf. Jo 13, 1-15). E, num tal horizonte, o Sucessor de Pedro nada mais é do que servus servorum Dei.[21]

Nunca nos esqueçamos disto! Para os discípulos de Jesus, ontem, hoje e sempre, a única autoridade é a autoridade do serviço, o único poder é o poder da cruz, segundo as palavras do Mestre: «Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se grande, seja o vosso servo; e quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo» (Mt 20, 25-27). «Não seja assim entre vós»: nesta frase, chegamos ao próprio coração do mistério da Igreja – «não seja assim entre vós» – e recebemos a luz necessária para compreender o serviço hierárquico. 

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Numa Igreja sinodal, o Sínodo dos Bispos é apenas a manifestação mais evidente dum dinamismo de comunhão que inspira todas as decisões eclesiais.

O primeiro nível de exercício da sinodalidade realiza-se nas Igrejas particulares. Depois de recordar a nobre instituição do Sínodo diocesano, no qual presbíteros e leigos são chamados a colaborar com o bispo para o bem de toda a comunidade eclesial,[22] o Código de Direito Canónico dedica amplo espaço aos habitualmente chamados «organismos de comunhão» da Igreja particular: o Conselho Presbiteral, o Colégio dos Consultores, o Cabido de Cónegos e o Conselho Pastoral.[23] Só na medida em que estes organismos permanecerem ligados a «baixo» e partirem do povo, dos problemas do dia-a-dia, é que pode começar a tomar forma uma Igreja sinodal: tais instrumentos, que por vezes se movem com fadiga, devem ser valorizados como ocasião de escuta e partilha.

O segundo nível é o das Províncias e das Regiões Eclesiásticas, dos Concílios Particulares e, de modo especial, das Conferências Episcopais.[24] Devemos refletir para se realizarem ainda mais, através destes organismos, as instâncias intermédias da colegialidade, talvez integrando e atualizando alguns aspetos do ordenamento eclesiástico antigo. O desejo do Concílio de que tais organismos possam contribuir para aumentar o espírito da colegialidade episcopal ainda não se realizou plenamente. Estamos a meio do caminho, com uma parte do caminho. Numa Igreja sinodal, como disse, «não convém que o Papa substitua os episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas que sobressaem nos seus territórios. Neste sentido, sinto a necessidade de proceder a uma salutar “descentralização”».[25]

O último nível é o da Igreja universal. Aqui o Sínodo dos Bispos, representando o episcopado católico, torna-se expressão da colegialidade episcopal dentro duma Igreja toda sinodal.[26] Duas palavras diferentes: «colegialidade episcopal» e «Igreja toda sinodal». Isto manifesta a collegialitas affectiva, a qual pode mesmo tornar-se, nalgumas circunstâncias, «efetiva», que une os Bispos entre si e com o Papa na solicitude pelo Povo de Deus.[27]


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O compromisso de edificar uma Igreja sinodal – missão a que todos somos chamados, cada qual na função que o Senhor lhe confia – está cheio de implicações ecuménicas. Por esta razão ainda recentemente, ao dirigir-me a uma delegação do patriarcado de Constantinopla, reafirmei a convicção de que «o exame atento do modo como se entrelaçam na vida da Igreja o princípio da sinodalidade e o serviço daquele que preside oferecerá uma contribuição significativa para o progresso das relações entre as nossa Igrejas».[28]

Estou convencido de que, numa Igreja sinodal, também o exercício do primado petrino poderá receber maior luz. O Papa não está, sozinho, acima da Igreja; mas, dentro dela, como batizado entre batizados e, dentro do Colégio Episcopal, como bispo entre os bispos, chamado simultaneamente – como Sucessor do apóstolo Pedro – a guiar a Igreja de Roma que preside no amor a todas as Igrejas.[29]

Ao mesmo tempo que reitero a necessidade e a urgência de pensar «numa conversão do papado»,[30] de bom grado repito as palavras do meu predecessor, o Papa João Paulo II: «Como Bispo de Roma sei bem (…) que a comunhão plena e visível de todas as Comunidades, nas quais em virtude da fidelidade de Deus habita o seu Espírito, é o desejo ardente de Cristo. Estou convicto de ter a este propósito uma responsabilidade particular, sobretudo quando constato a aspiração ecuménica da maior parte das Comunidades cristãs, e quando ouço a solicitação que me é dirigida para encontrar uma forma de exercício do primado que, sem renunciar de modo algum ao que é essencial da sua missão, se abra a uma situação nova».[31]

O nosso olhar estende-se também para a humanidade. Uma Igreja sinodal é como estandarte erguido entre as nações (cf. Is 11, 12) num mundo que, apesar de invocar participação, solidariedade e transparência na administração dos assuntos públicos, frequentemente entrega o destino de populações inteiras nas mãos gananciosas de grupos restritos de poder. Como Igreja que «caminha junta» com os homens, compartilhando as dificuldades da história, cultivamos o sonho de que a redescoberta da dignidade inviolável dos povos e da função de serviço da autoridade poderá ajudar também a sociedade civil a edificar-se na justiça e na fraternidade, gerando um mundo mais belo e mais digno do homem para as gerações que hão de vir depois de nós.[32] Obrigado.


Vaticano, 17 de outubro de 2015

 


Notas:
[1] Cf. FRANCISCO, Carta ao Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos, Card. Lorenzo Baldisseri, por ocasião da elevação à dignidade episcopal do Subsecretário, Mons. Fabio Fabene, 1 de Abril de 2014.
[2] Cf. BEATO PAULO VI, Discurso no início dos trabalhos da I Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 30 de Setembro de 1967.
[3] BEATO PAULO VI, Motu proprio Apostolica sollicitudo, 15 de Setembro de 1965, proémio.
[4] SÃO JOÃO PAULO II, Discurso no encerramento da VI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 29 de Outubro de 1983.
[5] Cf. AAS 98 (2006), 755-779.
[6] CONC. ECUM. VAT. II, Const. dogm. Lumen gentium, 21 de Novembro de 1964, 10.
[7] Ibid., 12.
[8] FRANCISCO, Exort. ap. Evangelii gaudium, 24 de Novembro de 2013, 119.
[9] Ibid., 120.
[10] Cf. FRANCISCO, Discurso no Encontro com os Bispos responsáveis do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) reunidos em Comissão de Coordenação, Rio de Janeiro, 28 de Julho de 2013, 5, 4; IDEM, Discurso no Encontro com o Clero, Pessoas de Vida Consagrada e Membros dos Conselhos Pastorais, Assis, 4 de Outubro de 2013.
[11] Cfr. CONC. ECUM. VAT. II, Const. past. Gaudium et spes, 7 de Dezembro de 1965, 1.
[12] FRANCISCO, Exort. ap. Evangelii gaudium, 171.
[13] CONC. ECUM. VAT. II, Const. dogm. Lumen gentium, 12.
[14] FRANCISCO, Discurso na Vigília de Oração de preparação para o Sínodo sobre a Família, 4 de Outubro de 2014.
[15] CONC. ECUM. VAT. I, Const. dogm. Pastor Aeternus, 18 de Julho de 1870, cap. IV: Denz. 3074. Cf. Código de Direito Canónico, cân. 749, § 1.
[16] FRANCISCO, Discurso na conclusão da III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, 18 de Outubro de 2014.
[17] CONC. ECUM. VAT. II, Const. dogm. Lumen gentium, 23. Cf. CONC. ECUM. VAT. I, Const. dogm. Pastor Aeternus, Prólogo: Denz. 3051.
[18] Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Const. dogm. Lumen gentium, 22; Decr. Christus Dominus, 28 de Outubro de 1965, 4.
[19] SÃO JOÃO CRISÓSTOMO, Explicatio in Psalmos, 149: PG 55, 493.
[20] Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Const. dogm. Lumen gentium, 27.

 

 

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