Previous Next

Homilia de D. António Couto na Sé de Lamego

SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO DA VIRGEM SANTA MARIA

 1. Amados irmãos e irmãs, convido-vos, em primeiro lugar, a sentir e a consentir, com emocionada alegria, o facto de as Igrejas do Oriente e do Ocidente, embora tantas vezes divididas entre si, estarem hoje, dia 8 de dezembro, unidas em maravilhosa harmonia para celebrar a Mãe de Deus no singular privilégio da Conceição Imaculada da sua humanidade, nove meses antes do seu Nascimento ou Natividade, que jubilosamente celebraremos no dia 8 de Setembro.
 
2. É bom e belo sabermos e sentirmos que hoje estamos em comunhão e sintonia com essas Igrejas sofridas e doridas do Oriente, nossas irmãs queridas, que sempre dedicaram à Mãe de Deus um muito particular carinho traduzido em tempo dado à Mãe de Deus e nossa Mãe. Ao que concedes tempo, concedes amor. Só quem ama tem tempo, e até o inventa, se necessário. É assim que os Coptos dedicam a Maria o mês inteiro de dezembro, e os Caldeus, os Antioquenos e os Maronitas celebram, também nesta altura do ano, e durante pelo menos quatro Domingos, o tempo da «Anunciação» ou «Evangelização», que é a Vinda de Deus ao nosso mundo, em catadupa, dia após dia, para abrir as trincheiras dos nossos engessados e empedrados corações, e fazer nascer em nós um mundo novo, aberto, encantado e feliz, um canteiro de rosas perfumadas, suave perfume que sobe até Deus. É o que literalmente significa Nazaré, cidade das flores, cidade florida e florescida, pois Nazaré deriva etimologicamente de natsar [= florescer]. E é assim que Maria é também, retomando e consumando o filão de beleza que atravessa o Antigo Testamento, a cidade florescida e frutificada, e não apenas fortificada, de Deus descida, desposada, terra não abandonada.

3. «Onde estás?», pergunta o Deus-que-Vem por amor ao encontro da sua criatura dileta, significativamente colocada no jardim (Génesis 3,9). «Tive medo e escondi-me», responde Adam e respondemos nós também com ele, amedrontados e fugidos, perdidos, ensonados e desorientados (Génesis 3,10; ver também Génesis 3,24; 4,16; 11,2).

4. Adam tem medo de Deus e esconde-se de Deus. Quem é este Adam que tem medo de Deus e de Deus se esconde? É o epónimo ou pai da humanidade, mas é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, a humanidade inteira, que ele representa e que nele se revê. Somos nós também, portanto. Com a agravante de que nós, não apenas nos escondemos de Deus, como vamos ainda escondendo Deus, retirando-o da família, da escola, do espaço público! E, portanto, esta história de Adam não é uma história inocente e anódina. Envolve-nos, implica-nos, significa-nos, tem a ver connosco. Enxerto, por isso, aqui uma pequena, mas significativa história direta e incisiva, que contam os mestres judeus. Estava, contam eles, o Rabino Shneur Zalman (1745-1812) preso em São Petersburgo, quando entrou na sua cela o comandante da guarda, que se pôs a conversar com ele sobre assuntos diversos. No final, perguntou, com não-disfarçada ironia, ao velho Rabino: «Olha lá, como é que se deve interpretar que o Deus Omnisciente pergunte a Adam: “Onde estás?”». E o velho Rabino respondeu de pronto: «Você acredita que a Escritura é eterna e que diz respeito a todos os tempos, a todas as gerações e a todas as pessoas?». «Sim, acredito», respondeu o comandante da guarda. «Então», continuou o velho Rabino, «em cada tempo Deus pergunta a cada homem: “Onde estás no teu mundo? Dos dias e dos anos que Eu te dei, já passaram muitos. Entretanto, até onde é que tu chegaste no teu mundo?”. Deus disse, por exemplo, adianta o Rabino: “Vê, já há 46 anos que andas aqui. Onde te encontras?”». Ao ouvir o número exato dos seus anos, o comandante sentiu dificuldade em controlar-se, pôs a mão no ombro do Rabino, e exclamou: «Bravo, bravo!». Mas o seu coração tremia.

5. Quando pressentimos que Deus está aqui, não nos resta senão estremecer, não de medo, mas de emoção, de modo a sentir que são abalados os nossos fundamentos, as nossas costumeiras maneiras de fazer. Assim Maria, Mãe de Deus e Nossa Mãe e Padroeira Principal de Portugal, quando visitada por Deus, estremece de alegria, e pronuncia aquele imenso SIM, que ainda hoje ecoa nesta Catedral e abalroa os nossos corações, rebentando as nossas mais seguras posições.

6. O mundo novo e saboroso que emerge da liturgia deste belo Dia é também sublinhado por São Paulo nas exortações que hoje nos dirige na Carta endereçada aos Romanos 15,4-9. Como seria belo um mundo pautado por uma verdadeira fraternidade em que todos vivêssemos sob o impulso e o alento carinhoso e criador de Deus. Na verdade, todos respiramos o mesmo alento, que o texto grego diz com o belo termo composto homothymadón (Romanos 15,6), que junta homós [= mesma] e thymós [= alma], sendo que thymós deriva de thýô [= soprar]. E que mundo maravilhoso surgiria, rompendo a crosta do egoísmo e da dureza de coração, se «nos acolhêssemos uns aos outros, como Cristo nos acolheu a nós» (Romanos 15,7). Aí está então a comunidade humana irmanada e reunida, porque todos recebemos de Deus o mesmo alento, o mesmo sopro criador (Génesis 2,7), e com uma só boca (en henì stómati) e a uma só voz cantamos os louvores do nosso Deus (Romanos 15,6). Esta linguagem e esta harmonia enchem por inteiro a comunidade cristã primitiva (Atos 1,14; 2,46; 5,12), reunida à volta de Maria (Atos 1,14).

6. Que belo foi quando, nas escavações levadas a cabo em meados do séc. XX, antes da grandiosa construção da atual Basílica da Anunciação, em Nazaré, inaugurada em 25 de março de 1969, se descobriram os majestosos pilares de uma velha Catedral, datada de 1099, bem como o pavimento em mosaico de uma bela igreja bizantina, que pode ser datada do ano 450. Mas mais belo ainda é descer mais fundo ainda, até às entranhas da atual Basílica, e aceder à Gruta da Anunciação, sob cujo altar se lê a inscrição Verbum caro hic factum est [«Aqui o Verbo se fez carne»], e a outros lugares de culto antigos, talvez já do século II, e ver numa grafite antiga a gravação XE MAPIA, abreviação de Chaîre Maria, a primeira Ave-Maria da história! Foi por aqui, foi por ti, que entrou Deus no nosso mundo.

Senhora de dezembro,
Maria, minha Mãe,
Passa hoje o dia
Da tua Imaculada Conceição.

Senhora de dezembro,
Dos dias frios e frágeis,
Dos passos firmes e ágeis,
Do coração que velava
À espera de quem te amava.

Assim te entregaste a Deus,
De coração inteiro,
Como um tinteiro
Todo derramado numa página.

Tu és a mais bela página de Deus,
Por Deus pensada, amada, visitada,
A Deus doada, apresentada, dedicada,
Mãe da vida consagrada,
Imaculada,
Ensina-me a tua tabuada,
A tua alegria nunca programada,
A luz do Evangelho que te aquece e alumia.

Eu te saúdo, Maria,
Neste dia da tua Imaculada Conceição.
Ave-Maria.


Lamego, 8 de dezembro de 2019,
Dia do Senhor e Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria

+ António, vosso bispo e irmão

A acontecer...

Seg. Ter. Qua. Qui. Sex. Sáb. Dom.
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30

Pesquisar

Redes Sociais

Fale Connosco

  254 612 147

  curia@diocese-lamego.pt

  Rua das Cortes nº2, 5100-132 Lamego.

Contacte-nos

Rua das Cortes, n2, 5100-132 Lamego

 254 612 147

 curia@diocese-lamego.pt

 254 612 147