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Formação para o clero: A religião e processos de significado no luto

Após o sucesso das últimas Jornadas de Formação para Sacerdotes sobre “Violência doméstica”, com cerca de 75 participantes, foi a vez de abordar o tema “A Religião e Processos de Significado no Luto”. Atividade promovida em conjunto pelo Departamento para a Vida e Ministério dos Sacerdotes e Comissão para a Missão e Nova Evangelização.

No Seminário de Lamego, a 10 de fevereiro, reuniram-se cerca de 150 participantes desde sacerdotes, agentes pastorais, técnicos de Ação Social, enfermeiros, médicos, voluntários em hospitais, agentes funerários, pessoas a quem este assunto toca ou tocou de forma especial e outros que querem perceber como ajudar o irmão que sofre no processo de luto. Foi um verdadeiro dia em caminho e em comunhão.
As palavras de abertura, do nosso Bispo D. António Couto, começaram por exprimir a experiência bela que é a reunião de pessoas para falar de coisas importantes da nossa vida, pois crescemos juntos na vida e na morte. Só se presta atenção àquilo que se ama, daí a busca incessante do Homem na busca de um sentido, principalmente quando se perde alguém que ama.

O Luto (do latim luctus, lamentar a morte de alguém) é uma maneira, um processo de construir sentido. Sentido para a morte, sentido para a própria vida.
 “A dor não é só para doer, é para se viver e se dizer”. É uma experiência humana. Quando não dizemos a dor ela fica a remoer, a calcar, a destruir. Tal como “a morte é para se viver e se dizer”. Se não a digo, não a vivo, mas se a dizemos encontramos sentido, encontramos mãos que nos ajudam a levantar e a seguir o nosso caminho, salvando assim a nossa vida.

No fim das suas palavras, D. António não quis deixar de referir que às vezes basta uma palavra, mas deve ser a palavra o mais certa possível e, sempre, abraçada pelo afeto. Sendo precisamente este o motivo de estarmos reunidos nestas Jornadas.
Padre Luís Pedro Costa, pároco e mestre em Psicologia Clínica e de Saúde, nasceu em 1976, ordenado Sacerdote em 2001, atualmente a Evangelizar na zona pastoral de Cinfães. Iniciou a sua intervenção com o tema “O que é o Luto?”. Existem dois grandes “medos”: vou morrer e vou perder alguém. Enquanto há uns anos atrás, pairava no ar o medo da própria morte, atualmente, é o medo de perder alguém que nos aterroriza, nos tira o chão. A experiência da perda é uma situação limite, sendo o sofrimento a fatura que se paga por amar alguém.
"Na nossa vida a mudança é inevitável, a perda é inevitável. A felicidade reside na nossa capacidade de adaptação e de sobrevivência a tudo o que acontece de mau." Buda.

O processo de luto é um processo dinâmico. Cada um de nós é único, cada um tem as suas vivências, as suas formas de sentir e por isso, cada pessoa tem a sua forma única de lidar com a perda e não existe um tempo limite para estar em luto. Mesmo quem não acredita na vida para lá da morte, dentro das suas crenças e motivações, consegue fazer o seu próprio luto.
Podemos distinguir o luto: luto não complicado (reação normal) e luto complicado e persistente (quando perdura mais de um ano nos adultos e seis meses nas crianças), quando as saudades persistentes dificultam a aceitação. Toda a comunidade deve estar atenta a este último porque, associado a stress pós-traumático pode desembocar em depressão major e consequentemente no suicídio. Quando o luto se torna persistente, devemos ajudar e encaminhar esses enlutados para uma ajuda mais técnica por forma a evitar uma consequência drástica.
Existem vários modelos psicológicos do processo de luto, sendo que, o papel do terapeuta deve ser de facilitador. Pe. Luís Costa utilizou a imagem de um utente, que entra no consultório com várias peças de uma cadeira no chão, e o terapeuta lhe diz para montar a cadeira e se sentar!

Num dos modelos psicológicos apresentados, o modelo cognitivo e construtivo: perda e sentido, Worden apresenta quatro tarefas no processo de luto, quatro auto tarefas que se afastam dos modelos estáticos tradicionais: aceitar a realidade da perda, processar as emoções e a dor, adaptação ao mundo sem o ente querido e encontro de uma ligação duradoura com o ente querido e continuar a sua vida. Gilles e Niemeyer apresentam um modelo de reconstrução de sentido centrado em três atividades: dar sentido à morte, encontrar benefícios na experiência e mudança de identidade.
A temática mais científica terminou com as estratégias de coping, de grosso modo, são estratégicas para lidar melhor com uma situação e podem ser focadas na emoção e/ou no problema. O coping pode ser também religioso e espiritual quando utiliza a fé como mecanismo para reconstrução de sentido.

Na segunda parte da manhã, a conferência do Pe. Luís Costa debruçou-se sobre o tema da “Religião e Espiritualidade no luto”. Apresentou um estudo realizado com 100 pessoas, sendo mais mulheres que homens.
Nos resultados obtidos, observaram-se diferenças entre géneros, provavelmente fruto das dimensões culturais e sociais e não fruto de fatores genéticos. As mulheres revelaram um estilo de coping para a perda, numa dimensão mais transcendental e com alguns sentimentos de injustiça, os homens para o coping do restabelecimento. Relativamente aos grupos etários, os jovens mostraram mais representações negativas de Deus. Quem tem escolaridade mais elevada, apresentou maior adaptação à perda.

O suporte familiar revela-se importante. A perda ou doença grave pode levar a ruturas no equilíbrio familiar porque, cada membro reage de uma maneira própria e em tempos diferentes, podendo gerar conflitos e afastamentos. Nas palavras do Papa Francisco: “Todas as vezes que a família em luto encontra a força de preservar a fé e o amor que nos unem àqueles que amamos, ela impede, desde já, a morte de ficar com tudo”. Após algum tempo, o apoio diminui e os enlutados tendem a sentir-se mais solitários, abandonados. Como cristãos precisamos de viver mais aquilo que sentimos e, a comunidade eclesial, deve fornecer segurança e acolhimento para poder compartilhar os sentimentos envolvidos na perda.
Muitas vezes não sabemos muito bem o que dizer a quem sofre mas, mais do que dizer, devemos estar. Mais do que elogios fúnebres, os sacerdotes devem falar de Cristo, do amor de Deus e da ressurreição. Por vezes, e sem maldade, utilizamos expressões erradas como “não chores, olha os outros”, “é a vontade de Deus, que havemos de fazer!”, “tens de ser forte”… cada um deve exprimir o que sente no momento de dor sem se preocupar com o pode parecer aos outros, cada um é forte à sua maneira e Deus, como Pai que é, não quer o sofrimento e a dor de ninguém, quer antes dar esperança numa vida nova, na ressurreição. Deus não é a causa, é a solução. Devemos confrontar a dor com a esperança através da fé.

A última parte deste dia ficou reservado à apresentação de experiências de algumas comunidades paroquiais no acompanhamento de famílias enlutadas como o caso da Paróquia de Valdigem em que, desde 2013, todos os meses de novembro, o mês das almas, são proporcionados momentos de oração e reflexão em casa de famílias que perderam alguém próximo, com a comunidade e com seu pároco.
Os últimos testemunhos foram dedicados a um casal que perdeu a filha de 24 anos no passado dia 21 de novembro de 2019, vítima de acidente de viação e uma jovem de 25 anos que aos 7 anos assistiu ao homicídio da mãe pelo próprio pai. Em ambos, foi possível verificar que o processo de luto está a ser feito por coping religioso. Os pais encontraram no grupo coral, do qual fazem parte há 20 anos, um apoio essencial, cantando até no funeral da própria filha. No caso da jovem, quando entrou na adolescência teve momentos de revolta e dificuldades no desempenho escolar e foi com a entrada no Grupo de Jovens da sua paróquia, com a participação em retiros como Taizé e Convívios Fraternos que encontrou os andaimes para chegar a Deus. Do público, chegou ainda um testemunho de uma mãe que perdeu o filho ao fim de 4 anos de doença grave. A maneira que tem para viver com a perda passa por “escrever cartas” ao filho, todos os dias, e a realizar os seus sonhos.
Jesus diz a Marta (Jo 11, 25-26) «Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim não morrerá para sempre. Acreditas nisto?»

O ACREDITAR faz toda a diferença e implica mudança, sinais exteriores de aceitação, que traduzem uma diminuição da dor.
Vítor Feytor Pinto diz que "a morte é apenas uma porta: do lado de cá é o limite da natureza, do lado de lá é a ternura de Deus". Por sua vez, o Papa Francisco fala na morte como o abraço de Deus a ser vivido com esperança.
Cada um, à sua maneira, à sua velocidade e com as suas crenças, religiosas ou não, deve fazer o seu processo no luto de forma saudável. A cada um de nós, compete respeitar a dor de cada um, ajudar e acompanhar dentro das possibilidades e, encaminhar os casos que necessitem de um apoio mais técnico e especializado. O luto é um processo vital e necessário que faz parte da nossa vida.


Raquel Assis, in Voz de Lamego, ano 90/12, n.º 4547, 18 de fevereiro de 2020

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