1. Queridos irmãos e irmãs que, a partir das vossas casas, vos associais hoje, neste Dia de Sexta-Feira Santa, à celebração da Paixão do Senhor na nossa Igreja Catedral, seguindo a transmissão da Rádio Clube de Lamego e a imagem do sítio online da nossa Diocese.
2. Que a graça e paz de Deus, nosso Pai, e de Jesus Cristo, nosso Senhor, preencha as vossas casas e alumie os vossos corações. Bem vedes, compreendeis bem, irmãos e irmãs, que o Senhor da nossa vida está no meio de nós, nas nossas casas, nos nossos lares, nas nossas ruas, nos nossos mercados, nas nossas farmácias, nos nossos hospitais, mas sobretudo em cada irmão ou irmã à nossa volta, marcado pelas rugas e pelo peso da idade ou pela candura da infância. A todos nos abraça o Senhor da vossa vida, que não nos infeta com Covid-19, mas com as marcas da sua Paixão Redentora, que levamos no nosso corpo (cf. Gálatas 6,17).
3. Acendei uma luzinha em vossa casa. Colocai a Cruz de Jesus diante dos vossos olhos, e nunca esvazieis ou desvieis dela o coração. E vede, vede bem, vede com o coração, vede o Senhor que entra no «jardim» com os seus discípulos, e dele sai sem os seus discípulos! Sai do «jardim» na companhia dos guardas, que o levarão até à Cruz, onde Jesus «consuma», isto é, «enche» a Escritura Santa até ao cimo, até transbordar o Amor de Deus e o seu Alento que a atravessa, página a página, linha a linha, palavra a palavra, letra a letra. Eis a Escritura Santa agora plena de sentido, plena, e não plana, com relevo, em que são bem visíveis os traços do Rosto de Jesus Cristo!
4. Mas são os seus amigos que encharcam de aromas o seu Corpo morto. Só Nicodemos, por sua conta, traz trinta e dois quilos e oitocentos gramas de uma mistura de mirra e aloés! A ideia de tanto perfume é retardar a decomposição do Corpo morto de Jesus. Vê-se que os amigos de Jesus conhecem as leis da morte. Encharcado de perfumes, é sepultado num sepulcro novo que havia no «jardim», onde ninguém tinha ainda sido sepultado. Na verdade, é desde o final do Capítulo 3.º do Livro do Génesis que andamos todos fora do «jardim». É com Jesus que reentramos no «jardim», e podemos agora, só agora, porque só agora nos foi dado por graça entender que «Ele é o primogénito de toda a criatura» (Colossenses 1,15), «o primogénito de entre os mortos» (Colossenses 1,18b), «que tem em tudo o primeiro lugar» (Colossenses 1,18c).
5. O Rosto desfigurado de Jesus assume e espelha as nossas dores e sofrimentos. Assume e espelha também a nossa morte. Não o podiam saber os seus amigos. Mas aquele Rosto desfigurado passará a Rosto transfigurado. E é à imagem daquele Rosto transfigurado que será configurado o nosso rosto defigurado. Desfigurados, transfigurados, configurados, eis a nossa história sofrida e maravilhosa.
6. Interpretando em altura e profundidade a história de Jesus, e a nossa história na d’Ele enxertada, São Paulo diz tudo de uma vez: «Sempre que comeis deste Pão, e bebeis deste Cálice, anunciais a morte do Senhor até que Ele venha!» (1 Coríntios 11,26). Anunciar a morte do Senhor não é vestir de luto e carpir mágoas, mas é anunciar o sentido pleno da vida e da morte de Jesus. É o mesmo que dizer que Jesus viveu e morreu dando a sua vida por Amor, para sempre e para todos!
6. Rezemos, pois, meus irmãos e irmãs. Motivos não nos faltam. Rezemos por todos: pela Igreja Santa (1), pelo Papa (2), pelos Bispos, Presbíteros, Diáconos, e por todo o Povo de Deus (3), pelos Catecúmenos (4), pela unidade dos cristãos (5), pelos filhos de Israel (6), pelos que não creem em Cristo (7), pelos que não creem em Deus (8), pelos nossos governantes (9), pelas vítimas da atual pandemia (9b) e pelos atribulados (10).
7. Rezemos e adoremos o Senhor que preside à nossa vida. Adoraremos a Cruz do Senhor, que constitui o verdadeiro centro deste Dia de Sexta-Feira Santa. Ao adorar a Cruz do Senhor, não deixemos de sentir também as dores dos nossos irmãos nestes dias em que a Paixão de Jesus se torna palpável no mundo inteiro. E não esqueçamos que este Dia da Paixão do Senhor é, em cada ano, o dia em que os cristãos são chamados a manifestar a comunhão das Igrejas de todo o mundo com a Igreja de Jerusalém e da Terra Santa. É desde 1887, por instituição do Papa Leão XIII, que o Dia de Sexta-Feira Santa é uma Jornada de Oração e Ofertório Pontifício de ajuda à Custódia dos Lugares Santos e à Igreja presente na terra de Jesus. Era costume depositarmos a nossa esmola de amor aos pés da Cruz do Senhor na nossa adoração de hoje. Mas dadas as circunstâncias absolutamente extraordinárias em que vivemos, com a impossibilidade desta celebração poder contar com a presença física dos fiéis, determinou a Santa Sé que este Ofertório para a Terra Santa se realize no Domingo, dia 13 de setembro próximo, véspera da Festa da Exaltação da Santa Cruz.
A Graça e a Paz do Senhor fiquem com todos vós. Amém.
Lamego, 10 de abril de 2020, Sexta-Feira Santa
+ António, vosso bispo e irmão