Numa iniciativa do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, conjuntamente com a Agência Ecclesia, foi solicitado às dioceses um contributo mensal de reflexão para ajudar nestes tempos de pandemia e no que se sucederá. Depois do Pe. Diamantino Alvaíde, em junho, a reflexão do Pe. Vítor Carreira, que ora republicamos. (Voz de Lamego, edição de 9 de junho)
«Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu» (Ecl 3,1).
Este sábio pensamento de Qohélet ou Eclesiastes, presumível autor desta expressão, recorda-nos a importância do tempo na existência humana. Este é o momento e o tempo da história para curar, edificar, plantar, para rir e dançar, para juntar e abraçar, para procurar e guardar, para falar e amar. É então, o tempo de renascer.
No passado ficam memórias, que ainda são presentes e que inevitavelmente nos acompanharão pelo futuro. Para trás ficaram as lágrimas da dor, da perda, da angústia, da revolta. Para trás ficaram também os exemplos extraordinários dos “sem nome”, apelidados de “os que estão na linha da frente”, que apoiaram, ajudaram, lutaram, rezaram…e que continuarão certamente ao lado de todos nós. A história, a cada dia que passa, recorda-nos isto mesmo: o percurso humano é marcado por alegrias e dores, conquistas e perdas, paragens e recomeços.
Num mundo em que a tecnologia impera, num mundo em que o “eu” tende a ser superior ao “tu”, é de facto a COVID-19, um vírus na altura desconhecido, que nos faz parar e pensar na fragilidade e na finitude. Um vírus que nos faz rever as prioridades e inverter as imaginárias pirâmides que tínhamos formuladas na nossa mente. Um vírus que mata, infeta, isola, impede, cancela ou adia…
O medo e o pânico instalaram-se no nosso modo de estar. Das ruas desertas, às igrejas, estádios, escolas e centros comerciais encerrados, passamos a ter casas cheias. Parece irónico. De facto, podemos notar, que compreender o comportamento humano é cada vez mais desafiante. Da correria ao supermercado, os passeios pelas avenidas mais movimentadas, festejos com grande participação, ao fim de semana na praia…não faltaram iniciativas, pouco felizes, é verdade.
Como falar, nessa altura, de recomeço? Alguns nem chegaram a parar. Se é verdade que a pandemia gerou pobreza a nível económico, social ou cultural, também não deixa de ser verdade que demonstrou alguma pobreza no comportamento humano. Perdemos a noção das vezes em que nos deparamos com a expressão “vai tudo ficar bem”, o que revelou inconsciência, insensibilidade, confusão e possivelmente alguma revolta possa ter surgido por parte dos que pensavam seriamente na gravidade da situação epidemiológica. Os mais confiantes ainda apontavam que, mesmo nas situações mais dramáticas, há sempre algo de favorável a recolher. É possível.
De facto, este foi e continua a ser um dos momentos mais dramáticos da história: pela morte, que tanto tememos, e que assombrou o globo; pela quantidade enorme de infetados; por um conjunto de fatores psicológicos que a todos afetaram.
Contudo, agora é tempo de recuperar alguma normalidade, aquela que é possível. Com as igrejas quase cheias e centros comerciais a reabrirem, voltamos ao espaço vazio das casas. Afinal, o que modificará na nossa relação familiar? O que aprendemos de novo neste tempo de pandemia?
Recomeçar deve fazer-nos pensar e avaliar, para posteriormente caminhar. É certo que o tempo atual ainda é de incertezas. De um lado, assistimos a notícias que nos informam da improbabilidade de uma segunda vaga da doença, por outro garantem-nos que o vírus veio para ficar e que a segunda vaga é certa. Apesar da dúvida, importa alertar para o perigo de vivermos já um relaxamento imprudente nas medidas de distanciamento social.
Despertemos! Se até aqui o sentido de responsabilidade era fundamental, tendo sempre como horizonte a segurança de todos, no presente e futuro não poderá ser diferente. Mais do que nunca, liberdade e responsabilidade devem caminhar juntas, têm de ser assumidas e vividas de forma ainda mais eficiente.
É tempo de um lento recomeço. É um tempo novo que temos diante de nós, pela forma como nos relacionamos socialmente, na vida familiar, a nível profissional e até na vivência eclesial. Retomamos as nossas celebrações comunitárias nos últimos dias de maio, fim de semana que assinalava liturgicamente a Solenidade de Pentecostes, bem como o encerramento do mês dedicado a Maria. O apelo foi feito: abrir, sem medo, as portas do coração ao sopro do Espírito de Deus, deixando-nos preencher pela novidade que traz à nossa existência. Apesar das restrições e de todas as normas de segurança implementadas, os rostos (mesmo escondidos) e os corações dos fiéis não deixaram de transparecer a alegria e a emoção do reencontro.
É tempo de retomar o caminho. Pelo menos por agora. Há quem recomece da mesma forma que parou. Há quem recomece caminhando de uma forma nova. Os passos que agora damos sejam mais seguros, persistentes e confiantes. O medo que naturalmente possa existir, não nos faça cair ou vacilar e sobretudo que não nos leve a recuar. Sabemos qual é a nossa meta. Corramos para a alcançar.
O recomeço, mesmo que seja lento, pode ser sinónimo de oportunidade.
Vítor Carreira