Alimentação na demência avançada: uma discussão controversa, mas necessária

Com a melhoria dos cuidados de saúde e das condições socioeconómicas, as pessoas vivem cada vez mais. A demência, muito associada ao envelhecimento, é uma doença neurológica crónica e progressiva que afeta a capacidade de raciocínio do doente. Apesar de existirem medicamentos que ajudam nalguns sintomas, a demência não tem cura. Na sua fase mais avançada, o doente fica acamado e pode perder a capacidade de comer, engasgando-se facilmente, não engolindo os alimentos ou recusando a alimentação.

Então, como podemos alimentar estes doentes? A resposta mais simples seria utilizando uma sonda, que leva diretamente a comida ao estômago. Esta opção permite dar maior quantidade de alimentos e facilita a administração de medicamentos. No entanto, causa desconforto e agitação, aumentado a necessidade de medidas para imobilizar e tranquilizar o doente. Aumenta também o risco de infeção e de aspiração de alimentos, pois estamos a dar maior quantidade de comida e a ultrapassar as barreiras naturais de defesa do doente.

A opção recomendada internacionalmente é a alimentação de conforto. Damos de comer e beber, lentamente, quando e quanto o doente quiser e tolerar. Esta é a opção menos agressiva, ao permitir que o doente saboreie os alimentos e tenha uma relação mais próxima com a família. No entanto, traz também muita angústia. “Não o vamos alimentar? Vai morrer à fome? Como lhe dou os medicamentos?”, são questões muitas vezes colocadas pelos cuidadores. De facto, a alimentação de conforto pode estar associada à perda de peso. No entanto, por outro lado, a alimentação por sonda não melhora o bem-estar ou sobrevida destes doentes. Sendo a demência uma doença terminal, sem cura, a prioridade é respeitar as preferências e conforto do doente. Existem várias estratégias que permitem otimizar a alimentação por via oral e administrar os medicamentos necessários.

O que fazer então? Saber é poder, pelo que é fundamental estar informado acerca desta doença para poder fazer as melhores escolhas possíveis. Para auxiliar nesta decisão, a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e a Associação Portuguesa de Nutrição Entérica e Parentérica criaram o folheto “Alimentação na Demência Avançada”, com informação sobre a demência, a sua evolução, os problemas alimentares que podem surgir, as alternativas disponíveis para alimentação e as possíveis soluções/estratégias que os cuidadores podem seguir para permitir o máximo de conforto e qualidade de vida destes doentes.

Muitas vezes a vida foge ao nosso controlo, e cabe a nós fazer o melhor possível com o que nos é dado. Neste caso, pode controlar o seu futuro. Fale atempadamente com a sua equipa de saúde e com a sua família. Fale sobre a doença, sobre o que poderá acontecer e sobre as opções existentes relativamente à alimentação e outros cuidados. Fale sobre o que quer que seja feito na eventualidade de perder a capacidade de comer. Decida o seu próprio plano antecipado e integrado de cuidados. Ganhe controlo sobre o seu futuro e o futuro dos seus entes queridos.

 


Ana Pessoa - Especialista em Medicina Interna do Centro Hospitalar do Médio Ave,
in Voz de Lamego, ano 90/46, n.º 4581, 27 de outubro de 2020

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