O Padre Vítor é natural de Samodães, no concelho e arciprestado de Lamego, e foi ordenado sacerdote a 1 de dezembro de 1995, na Sé de Lamego, pelas mãos do então Bispo de Lamego, D. Américo Couto de Oliveira. Atualmente é pároco de São Cristóvão de Nogueira e de São Tiago de Piães, na Zona Pastoral de Cinfães.
Derivado à pandemia do novo coronavírus, não foi possível assinalar, em comunidade, os seus 25 anos de sacerdócio, mas, ainda assim, a Voz de Lamego quis ouvi-lo sobre várias questões relacionadas com a vida sacerdotal, o caminho percorrido, a atualidade eclesial, cultural e social, e os desafios que são colocados à Igreja e ao padre.
VL – Muitos parabéns pelos 25 anos de sacerdote. O Papa Bento XVI, em Fátima, em 2010, dirigindo-se a sacerdotes e religiosos, definia o amor como fidelidade no tempo. Atualmente, o tempo parece corroer rapidamente compromissos e fidelidades. Mais uma razão para estas felicitações.
Agora a pergunta. Como têm sido estes 25 anos de sacerdotes?
Estes 25 anos têm sido vividos com total dedicação e entusiasmo à Messe que o Senhor da Vida me confia em cada tempo e lugar.
VL – Podes fazer-nos uma resenha das principais marcas, momentos, etapas que marcaram o teu sacerdócio desde 1995 a 2020?
Antes de mais, o meu estágio final na paróquia de Castro Daire, como seminarista finalista e Diácono. Foram momentos extraordinários, junto dos amigos, Pe. Adriano Cardoso e Pe. Carlos Caria, as Irmãs Dominicanas de Castro Daire e dos amigos que tenho para a vida desta comunidade. Uma comunidade viva, bem organizada e testemunho amadurecido de fé.
No início de 1996, foi enviado para as comunidades de Ferreiros de Tendais e Bustelo da Lage, concelho de Cinfães. Sem residência paroquial, a dispersão dos lugares na paróquia, população idosa, foram tempos difíceis de adaptação. Apenas tinha pedido para ficar em equipa sacerdotal, fosse em que lugar fosse da Diocese. Nem isso foi possível. Tive sorte em encontrar uma família que foi mais que família.
Em 2001, renasceu o sentimento e vontade de fazer uma experiência missionária em terras de África, concretamente em Angola. Em outubro de 2002, viajo para a missão católica dos Dembros, kibaxe, norte de Angola.
Regresso, no verão de 2004, para as comunidades de Fornelos e Travanca, concelho de Cinfães.
Em 2014, vim para as comunidades de São Tiago de Piães e São Cristóvão de Nogueira.
VL – Como descobriste e como amadureceu a tua vocação?
Através da minha família, já ajudava o sacerdote na eucaristia (acólito) e a vinda de missionários à minha terra, Samodães. Tudo isto serviu para que a pergunta: “Tu não queres ser padre?!”, começasse a fazer sentido e a ser respondida com sinceridade.
VL – Quando é que decidiste em definitivo abraçar a vida sacerdotal? Nesse momento, tinhas algumas dúvidas, hesitações ou receios?
O primeiro passo foi quando quis ir para o Seminário de Resende (5.º ano). Depois vai-se caminhando, “tropeçando” nos medos, dúvidas, certezas, euforias e desânimos. Estes momentos foram constantes durante grande parte da vocação. Durante os estudos da Teologia vão-se dissipando algumas dúvidas e afinam-se as convicções. No entanto, o receio de não ser capaz, de não conseguir ser fiel à vocação é muito forte antes da Ordenação.
VL – Ainda te recordas da tua ordenação. Que emoções te preencheram nesse dia?
Do que mais me recordo foi, no momento das ladainhas, estar prostrado no chão. Aquela hora é singular e forte. Assim como, o carinho e amizade da família, das pessoas e colegas que estiveram presentes.
VL – Nessa altura como imaginavas o ministério sacerdotal? Quais os sonhos que tinhas e que projetos almejavas realizar?
O sacerdote deve servir, a Deus, a Igreja, a Humanidade. Sonhava estar em equipa sacerdotal, pois tinha medo da solidão. Que todos se aproximassem mais de Deus. Que houvesse mais autenticidade da vivência da fé cristã, ao jeito das primeiras comunidades dos Apóstolos.
VL – Olhando ainda para trás, que avaliação fazes dos sonhos de então? Foi melhor ou pior do que aquilo que pensavas?
Tem havido de tudo. É importante sonhar e acreditar que é possível. Depois dos fracassos e desilusões, vale apena voltar a sonhar. O sonho faz parte do sono, significa que ele é importante quando recuperamos energias, no descanso. Quando acordamos não podemos continuar a sonhar, sob o peso de vivermos na ilusão ou ficção. Tudo tem o seu tempo e lugar.
VL – Como vimos atrás, em 2001 decidiste interromper a vida paroquial, para ires em missão, no ano seguinte, até Angola. O que te levou a essa decisão?
Antes de mais, o testemunho de vários missionários que passavam pela minha paróquia. Sempre me senti fascinado pela alegria e testemunho dos missionários, pareciam diferentes dos sacerdotes e freiras que andavam pela Diocese.
A vontade de arriscar, de sair da nossa zona de conforto e aprender que com a falta de tudo somos mais genuínos na fé.
VL – Que experiências trouxeste desse tempo de missão?
Quando pensamos que vamos dar algo de nós aos outros, são eles que nos dão tudo. Aprendi a ser humilde no anúncio, a respeitar a diferença e diversidade. A cultura africana é muito religiosa, têm muita sede de Deus. O tempo é todo para Deus. As pessoas são mais recetivas e disponíveis. Todos querem participar. Uma população muito jovem, dinâmica e proativa. Um respeito muito grande pelos mais velhos. O canto e a dança são constantes nas celebrações. Têm orgulho em ajudar, participar e colaborar. É uma igreja dinâmica e viva.
VL – É um capítulo encerrado ou gostarias de voltar a fazer uma experiência missionária similar?
Neste momento penso que está encerrado, mas quando vim da missão gostaria de ter voltado com um grupo de colegas para assumir uma missão em Angola. A missão de Kibaxe tinha apenas um sacerdote espiritano (Pe. Domingos da Mota), com 71 anos, para uma área maior do que a nossa Diocese. Pelo menos dois ou três sacerdotes a serem apoiados na retaguarda pela Diocese ou dioceses de Portugal.
VL – Voltemos à atualidade. Que diferenças notas hoje nas comunidades paroquiais em relação ao início da tua vida sacerdotal?
Hoje, temos menos pessoas, comunidades envelhecidas e menos participação. No geral, a vida cristã tem pouca expressão na vida das pessoas. Dizem que têm fé, mas vivem a vida à margem dos valores cristãos. Vive-se conforme as conveniências. Estamos no tempo dos cristãos sem sal, sem doçura, cheios de “anemias”.
VL – Quais as maiores dificuldades que encontras como pároco? E quais as maiores potencialidades?
A maior dificuldade é encontrar pessoas disponíveis para as diversas dinâmicas paroquiais e lutar contra maus hábitos do passado.
A grande potencialidade é perceber que temos que começar quase tudo do zero e imprimir na bondade das pessoas a ação. Ser bom não é não fazer mal, ser bom é poder errar, mas atuando.
VL – Como Padre, o que te dá mais alegria e o que te provoca maior tristeza?
O que me dá maior alegria é conseguir proporcionar uma maior vivência dos sacramentos, dons e graças que Deus nos dá para sermos filhos felizes.
A maior tristeza é a indiferença e humildade para reconhecer o erro que nos conduz à infelicidade.
VL – Como te vês daqui a 10 anos, por exemplo?
Sempre inconformado com o que foi alcançado e a vontade de fazer mais e melhor.
VL – Como olhas para a Igreja no mundo atual? Quais os maiores desafios que são colocados à Igreja, aos cristãos, aos padres?
Apesar deste momento menos bom, olho sempre com esperança e olharmos para os problemas não como dilemas, mas como novos desafios.
A sociedade está a viver com regras e ritmos diferentes dos nossos. É importante fazer um levantamento exaustivo das paróquias e dos novos tempos, para podermos ter um documento de analise, estudo e diretrizes de ação paroquial. Cada ano que passa e não se faz nada são décadas de atraso e difíceis de recuperar.
VL – Que dirias a um jovem que quisesse entrar agora para o seminário? E a um padre que iniciou agora a vida sacerdotal/paroquial?
Graças a Deus, tenho dois jovens da comunidade de São Tiago de Piães em Teologia, no Seminário de Lamego. Aos jovens digo sempre que não tenham medo de arriscar e de se entregarem totalmente a Cristo. Pois quando damos tudo, Ele faz tudo connosco no serviço aos irmãos.
A quem está a começar, digo para terem confiança, dialogarem, escutarem e vivam o que ensinam (testemunho).
VL – Uma mensagem para os leitores da Voz de Lamego, para os teus paroquianos, para o teu Bispo, para os teus colegas padres.
Agradeço a amizade e generosidade de quantos, ao longo destes 25 anos, privaram e partilharam as suas vidas comigo.
Estou e estarei ao serviço de todos…. Abraço Fraternal.
in Voz de Lamego, ano 91/05, n.º 4587,8 de dezembro de 2020