Prosseguimos com as entrevistas aos Presidentes das Câmaras Municipais que a nossa diocese integra. Esta semana, o convite é a conhecermos melhor as preocupações e desafios da autarquia de Moimenta da Beira, dando voz ao excelentíssimo Sr. José Eduardo, naquele que é o último de três mandatos à frente deste município.
José Eduardo Lopes Ferreira é Presidente da Câmara Municipal de Moimenta da Beira desde outubro de 2009, cumpre o terceiro e último mandato e foi sempre eleito com maioria absoluta. Está na política ativa, como autarca, desde 1989. É natural de Alvite, onde nasceu a 5 de agosto de 1962, casado, tem dois filhos. É Técnico Oficial de Contas e empresário.
Voz de Lamego – A pandemia do novo coronavírus colocou-nos a todos em alerta. A resposta, como em tantas situações, passa pela intervenção local, em que o Presidente do Município tem um papel essencial, de coordenação e intervenção. Como tem vivido o concelho estes tempos? Principais necessidades e constrangimentos…
Se dúvidas existissem, e não era já o meu caso, quanto à urgência de prosseguir e aprofundar o processo de descentralização de competências, e do meu ponto de vista de avançar rapidamente com a Regionalização, a pandemia de Covid-19 veio demonstrar à exaustão essa necessidade. Apesar de todas as dificuldades, e são imensas, os Municípios têm sido essenciais em todos os aspetos da resposta à pandemia, desde os aspetos sanitários aos sociais. Infelizmente existem algumas entidades, com especiais responsabilidades, que acordaram demasiado tarde para a necessidade de unir esforços neste combate dificílimo, e até muito desigual. Mas é também verdade que as Instituições e as pessoas mais próximas e que melhor conhecem a realidade têm mantido um sentido de serviço comum que tem sido indispensável ao cumprimento dos objetivos de todos: servir todos os cidadãos, unindo todos os esforços, independentemente das competências formais de cada um. Quero deixar a todos o meu reconhecimento público, e meu agradecimento, em nome de todos os cidadãos que desse esforço beneficiaram, desde os que o perceberam melhor, até àqueles que nunca o perceberão.
O maior constrangimento foi, desde há muito, a falta de informação fiável, rigorosa, e atempada, que nos permitisse intervir nas melhores condições. A propósito da situação dramática que vivemos, a história dirá que temos que acabar com as “capelinhas”, e que devem ser chamadas a intervir e a coordenar as ações as Instituições melhor colocadas, de baixo para cima, e em conjunto. Sempre em conjunto, porque não há soluções individuais em matérias iminentemente coletivas.
VL – O impacto económico foi certamente notado nas empresas e nas famílias. Que medidas foram implementadas pelo Município para acorrer às diferentes situações e para minimizar os prejuízos e as dificuldades sentidas?
Foram tomadas um conjunto alargado de medidas, de que lhe darei apenas alguns exemplos: diferimento nos pagamentos de bens e serviços fornecidos pelo Município, sem aumento de custos; isenção de alguns desses pagamentos, como rendas comerciais, por exemplo; redução da participação variável no IRS; redução para a taxa mínima de IMI, apoio direto às IPSS`S do concelho, com meios, equipamentos e financiamento destinada a fazer face às despesas e à falta de proveitos relacionadas com a Covid-19; apoios em EPI e outros equipamentos a outras Instituições do concelho; lançamento da campanha “Moimenta Viva, Recuperar a Esperança – Campanha de Natal”, proporcionando vales de compras a toda a população, com a condição, entre outras que beneficiaram o comércio e serviços locais, de serem utilizados em estabelecimentos aderentes no concelho de Moimenta da Beira.
Estes apoios são complementares e muito insuficientes, para as necessidades sentidas e que certamente se agravarão no futuro próximo, razão pela qual não excluímos a possibilidade de reforçar estas medidas, nos exatos termos que a legislação em vigor nos permitir, ao mesmo tempo que continuaremos a reivindicar apoios do Estado Central que sejam consentâneos com as necessidades sentidas. É nesta situação de crise profunda que mais precisamos uns dos outros, das Instituições e do Estado. Se há algum momento em que o Estado faz sentido e é posto à prova, é certamente este. Aqueles que como eu defendem um Estado forte, têm que ser agora mais exigentes, seja com o Estado Local ou com o Estado Central.
VL – As IPSS´s de toda a região foram chamadas a prestar um apoio social decisivo à população, ao mesmo tempo que tiveram de cumprir apertadas medidas de segurança. Como foi a resposta das Instituições Sociais no Concelho? Que papel coube à Câmara?
No concelho de Moimenta da Beira temos a felicidade de termos construído ao longo dos últimos anos excelentes Instituições de Solidariedade Social. E não é apenas ao nível das estruturas físicas e dos equipamentos, que são em muitos casos excelentes. É também, e talvez mesmo principalmente, ao nível do desempenho dos seus dirigentes e dos seus profissionais. Estas Instituições deram uma resposta excelente, que só não é surpreendente para quem como eu com elas lida diariamente e as conhece tão bem.
Na verdade, se assim tivemos muitas dificuldades, nem consigo imaginar o que teria sido a nossa vida, ou como teriam deixado de ser tantas vidas, se as nossas Instituições não existissem, ou não fossem tão qualificadas.
Está aqui também uma boa resposta para os que acham que o Estado Social não precisa de existir, ou pode ser fraco.
Espero também que esta lição sirva para continuarmos, quando a pandemia passar, e vai passar, a investir mais e melhor nas nossas Instituições, porque precisamos sempre delas, e em algumas circunstâncias só elas podem dar a todos as respostas que todos precisam e merecem.
Aproveito para deixar um agradecimento grande a todas as nossas Instituições, a todos os seus dirigentes e a todos os seus profissionais. Terão sempre o meu agradecimento, o meu respeito e até a minha admiração.
O papel da Câmara foi essencialmente de coordenação e apoio permanente, em todas as situações e em todas as horas, especialmente as piores, como é nossa obrigação.
VL – O turismo, fundamental na nossa região, foi amplamente afetado, com um decréscimo acentuado no número de visitantes. A restauração, a hotelaria, pequenas empresas, produtos com a marca do Concelho, viram-se em grandes dificuldades. Foi adotada alguma medida especial para este setor e que expetativas tem para a atividade turística para o concelho em 2021?
O turismo é em Moimenta da Beira um setor muito importante, enquadrado num tecido económico pujante, que foi extremamente afetado, e que mereceu a nossa atenção através do conjunto de medidas já elencadas, mas que assumimos muito insuficientes e admitimos vir a reforçar no futuro. No nosso caso, as medidas relativas ao setor do turismo não foram, nem devem ser, dissociadas das restantes atividades, mas interligadas e complementares. É certo que este é um dos setores mais afetados e teremos essa circunstância em consideração, como o faremos para os outros setores especialmente afetados.
VL – Nesse sentido, ainda, como é que foi a coordenação das medidas a implementar entre o poder local, bem no interior do país, e os organismos centrais? E já agora, a inserção na CIMDOURO tem contribuído para uma resposta conjunta mais coordenada e eficiente?
Ao nível da CIMDOURO tem sido feito um grande esforço para coordenar e implementar medidas transversais a todo o território, algumas das quais têm tido impactos positivos. Ainda assim, nem sempre temos tido sucesso nas nossas reivindicações, faltando concretizar algumas medidas de apoio, cujo processo se mantém em curso, e que podem vir a ser muito importantes no futuro próximo. Creio que teríamos sido mais eficazes e teríamos tido maior sucesso se tivéssemos mais autonomia nas decisões que precisamos de tomar. Sou muito favorável ao reforço da legitimidade política das Comunidades Intermunicipais, acompanhado do reforço das competências e dos meios. Enquanto isso não acontecer as populações locais, especialmente as do interior mais desfavorecido, continuarão a ser discriminadas negativamente, como tem acontecido ao longo de décadas, com impactos terríveis ao nível da coesão e do desenvolvimento, estando já estes territórios em alguns aspetos próximos do ponto de não retorno, como é exemplo a demografia.
A coordenação com os organismos centrais tem sofrido bastante desta distância, que é mais do que a distância quilométrica, sendo por vezes mesmo uma distância na perceção, no interesse e nos objetivos que apenas conhece bem quem cá está. Costumo dizer que ninguém pode governar bem o que não conhece, e que ninguém conhece bem o que estiver demasiado distante.
VL – A dinâmica dos municípios foi igualmente decisiva neste contexto. Mas, apesar dos constrangimentos, os projetos em curso continuaram. O que gostaria de ver concretizado até ao final deste mandato autárquico?
Há certamente muitos projetos que se atrasaram muito por causa da pandemia, alguns dos quais talvez deixem mesmo de poder ser concluídos durante o presente mandato autárquico. São exemplos de projetos em curso e que serão levados à prática ainda este mandato, ou que já estão em execução os seguintes: regeneração urbana – requalificação do Largo do Tabolado; Requalificação da Escola Básica e Secundária de Moimenta da Beira; Execução do Troço 3 da CREP – Ciclovia entre Moimenta da Beira e Leomil; Requalificação da Avenida Principal de Alvite; Requalificação do Antigo edifício do IVV, que pertence à Cooperativa Agrícola do Távora, entre muitas outras intervenções programadas e em curso.
Gostaria muito de poder ainda participar no início do processo industrial de transformação da maçã, cujo estudo está concluído e entregue a diversas organizações relacionadas com o assunto, mas que por força das atuais condições ainda não foi possível reunir. Mas mais do que as obras ou as ações físicas, que são muito importantes como instrumentos do desenvolvimento, é decisivo que continuemos esta visão inclusiva da nossa sociedade, na qual ninguém pode ser dispensado, por menor que possa parecer o seu contributo. O mais importante é que nos mantenhamos unidos e solidários, estimulando a criação de condições de igualdade entre todos e reforçando a solidariedade indispensável ao crescimento e desenvolvimento harmonioso. Numa sociedade livre e coesa, ninguém pode ficar para trás, também porque precisamos da força e energia de todos para caminhar. Talvez a continuação da concretização destes objetivos sejam o maior desígnio até ao final do mandato.
VL – Para alguém que visita o concelho, como o apresentaria? Que caraterísticas distintivas tem este território, do ponto de vista económico e empresarial, cultural e patrimonial?
Sei bem que pode parecer um cliché, mas a verdade é mesmo que o que mais nos distingue é a força, a resiliência e a capacidade da nossa gente. Não são as nossas maçãs, apesar de serem das melhores do país e da europa, nem os nossos vinhos espumantes, tão conhecidos e apreciados, nem sequer o facto de sermos terra de escritores, como Aquilino Ribeiro, ou Afonso Ribeiro – percursor do neorrealismo em Portugal, por exemplo.
O que verdadeiramente nos distingue, também do ponto de vista cultural e empresarial é a capacidade que temos em resistirmos e nos afirmarmos de forma distinta, mas sempre complementar e agregadora, tanto em termos regionais como ao nível do país. É também esta vontade de querermos sempre caminhar juntos, uns com os outros e com todos, nunca sozinhos e muito menos contra ninguém. É com esta base que acreditamos num futuro melhor, construído todos os dias, e para todos, apesar de vivermos neste momento provavelmente a pior situação que conhecemos, a diversos níveis e em muitos aspetos da nossa vida coletiva.
VL – A população concelhia, a exemplo do que acontece em todo o interior português, envelhece e diminui. Que consequências se avizinham? Como contrariar o êxodo da população a que assistimos e favorecer a sua fixação entre nós? Como vê, a partir do lugar que ocupa, a situação do País? Tendo em conta também os tempos que se avizinham…
As consequências da redução da população serão trágicas para a região e para o país, não menos para este do que para aquela, ao contrário do que se possa pensar. Há um limite, a que costumamos chamar o ponto de não retorno, que pode estar a ser atingido muito em breve em muitas das nossas terras, e que nalgumas delas pode até já ter ocorrido. A partir desse ponto tudo é muito mais difícil, e as medidas a implementar serão certamente mais caras e menos produtivas do que aquelas que ainda estão à nossa disposição. Temos que assumir rapidamente que já não basta reduzir as desigualdades a que temos estado sujeitos, apesar de me parecer que estamos longe desse desígnio. Do mesmo modo que durante décadas fomos discriminados negativamente, com uma autêntica sangria dos nossos recursos para outros pontos do país, temos agora que exigir políticas de sinal contrário. Temos que assumir que há regiões do país que têm crescido mais e que agora têm que crescer menos, para podermos equilibrar Portugal. Enquanto não assumirmos, com clareza, este desígnio, poderemos utilizar um conjunto de paliativos, mas não conseguiremos inverter a situação, e já não basta que a situação não piore, tem mesmo que ser invertida rapidamente, sob pena de poder ser tarde demais para muitos dos nossos territórios, com consequências também desastrosas para Portugal.
VL – A menos de um ano do fim do atual mandato autárquico, e sendo este o último de três mandatos, que balanço faz do trabalho realizado?
O balanço será certamente feito por outros, até porque eu não tenho ainda tempo para esse efeito, nem é o mais importante.
O mais importante, é que me dediquei completamente à minha função, a que gosto mais de chamar missão, cada dia destes três mandatos, acompanhado por muita gente, a quem devo a maior honra que tenho: ter servido o meu Povo com todas as minhas energias.
VL – Que mensagem de esperança e de estímulo gostaria de transmitir aos seus munícipes para este novo ano?
Este será para muitos, e por muitas razões, um dos anos mais difíceis das nossas vidas, e não vale a pena iludir essa realidade. Ainda assim, e por maiores que sejam as dificuldades por que passamos, elas não serão maiores do que a nossa capacidade para as vencermos. Basta olhar para a nossa história, o nosso passado coletivo, as dificuldades por que passámos e as conquistas que fizemos. Nem sequer as nossas dificuldades atuais serão maiores do que algumas das que foram enfrentadas pelos nossos antepassados, e apesar disso trouxeram-nos até aqui em condições de vencermos.Temos um passado forte, e apesar de tudo um presente com muito futuro.
Como sempre, precisamos de nos respeitar muito uns aos outros, de confiar uns nos outros e de fazer tudo com todos, e nunca nada contra ninguém!
in Voz de Lamego, ano 91/13, n.º 4595, 9 de fevereiro de 2021