Carlos Silva Santiago, com naturalidade alemã e portuguesa, vive, há vários anos em Sernancelhe, freguesia sede do Município a que preside. Professor do Ensino Básico, foi Vice-presidente da Câmara Municipal de Sernancelhe e Vereador de 2002 a 2012, com os pelouros da Cultura, Desporto, Ação Social e Turismo. Eleito Presidente da Câmara Municipal de Sernancelhe em 2013, e reeleito em 2017, foi Coordenador dos ASD – Autarcas Social-democratas do Distrito de Viseu, em 2016, é Vice-Presidente da Assembleia Intermunicipal do Vale do Douro Sul e Presidente da CIM Douro - Comunidade Intermunicipal do Douro desde 2017.
Voz de Lamego – A pandemia do novo coronavírus colocou-nos a todos em alerta. A resposta, como em tantas situações, passa pela intervenção local, em que o Presidente do Município tem um papel essencial, de coordenação e intervenção. Como tem vivido o concelho estes tempos? Principais necessidades e constrangimentos…
Estávamos todos muito longe de imaginar que o mundo globalizado em que vivemos pudesse possibilitar que um vírus (a Covid-19) percorresse os continentes com tamanha rapidez e atingisse, por igual, países ricos e pobres, desenvolvidos e subdesenvolvidos, cidades e aldeias. Tal ocorreu por se tratar de um vírus invisível e imprevisível, com uma enorme capacidade de transmissão e, como temos visto mais recentemente, também de mutação, o que o torna mais severo a cada nova variante que é identificada.
Esta pandemia foi encarada pelo Município de Sernancelhe, desde março de 2020, com firmeza e, acima de tudo, falando sempre verdade aos nossos munícipes, procurando consciencializá-los para o problema e envolve-los na adoção de medidas de segurança que sabíamos serem essenciais para que ultrapassarmos esta fase. Vivemos três momentos sensíveis provocados pela Covid-19 no nosso Município: o primeiro, em março e abril de 2020, passamos praticamente incólumes, muito graças ao trabalho da Proteção Civil Municipal e aos alertas que fizemos aos nossos emigrantes para que não visitassem os seus familiares no período da Páscoa, o que nos permitiu tranquilidade nos meses seguintes. A segunda fase, em setembro, foi mais gravosa para Sernancelhe, tendo-se registado mais de uma centena de casos positivos, exigindo ao Município uma capacidade adicional de ação, o que sucedeu com diálogo franco e cooperante com a Autoridade de Saúde. A última fase está ainda a ser vivida, mas já em decrescendo. Para isso concorreu a operação de testagem em massa à população do Concelho, entre 18 e 22 de janeiro de 2021, com mais de 4000 testes realizados, freguesia a freguesia, tendo sido detetados 156 novos casos. Numa operação que envolveu o Camião Esperança, foi possível identificar os novos casos, detetar cadeias de contágio, isolar os positivos e controlar os contactos que com eles tivessem interagido. Esta ação permitiu-nos obter uma “radiografia” detalhada da realidade do Concelho em matéria de Covid-19.
Acreditámos sempre que, dentro das nossas limitações, era nossa obrigação tudo fazer para proteger a nossa população e, ainda que muito limitados por não termos competências específicas em matéria de saúde, julgo que executámos bem a nossa missão. Mas fica provado, tanto em Sernancelhe como em toda a área geográfica da CIM Douro, que foram os municípios os responsáveis pelo combate efetivo à Covid-19.
VL – O impacto económico foi certamente notado nas empresas e nas famílias. Que medidas foram implementadas pelo Município para acorrer às diferentes situações e para minimizar os prejuízos e as dificuldades sentidas?
Neste contexto pandémico percebemos, desde o primeiro momento, em março de 2020, que a Covid-19 poderia ser uma ameaça séria, especialmente para municípios do Interior do País, com uma franja significativa de população mais idosa e, portanto, mais suscetível de ser contagiada e de correr risco de vida. Nesse sentido, e para além das medidas assumidas e implementadas por todos os municípios da CIMDOURO, encetamos um conjunto de ações que temos cumprido de forma rigorosa: acionamos a Proteção Civil Municipal e criamos de um gabinete de crise, a funcionar até hoje no Município de Sernancelhe; oferecemos equipamentos de proteção individual, medidores de tensão e oxímetros aos profissionais e saúde do Concelho, concretamente à Unidade de Saúde Personalizados de Sernancelhe (Centro de Saúde), Unidade de Cuidados Continuados de Sernancelhe e Bombeiros Voluntários; afetámos a Unidade Móvel de Saúde ao Centro de Saúde para triagem dos potenciais casos Covid-19; criámos uma Linha de Apoio ao Munícipe, que garante a entrega de medicamentos, bens alimentares, receitas médicas, pagamentos, entre outros, a todas as pessoas em isolamento ou confinadas; executámos ações de desinfeção dos espaços públicos em todo o Concelho, incidindo em particular nos pontos de recolha de lixo e nos lugares de maior afluência de pessoas; adotámos medidas de isenção de taxas de esplanadas e de feiras para apoio ao comércio local; cedemos equipamentos informáticos (Tablets) e pontos de acesso à Internet a todas as crianças do concelho para que não ficassem privadas do ensino à distância, independentemente da freguesia de residência; criámos o projeto "Conversas à janela", dinamizado pelo CLDS, para ir ao encontro das pessoas mais idosas do Concelho e quebrar momentos de solidão decorrentes do confinamento geral a que estiveram (e estão) sujeitos; oferecemos kits de máscaras e livros didáticos a todos os alunos do ensino pré-escolar e do 1º ciclo do concelho; distribuímos máscaras reutilizáveis e certificadas a toda a população do Concelho de Sernancelhe; realizámos testagem à Covid-19 em várias IPSS´s do Concelho, bem como em empresas ou outras instituições, sempre que foi (ou for) detetado um caso positivo e seja necessário detetar e suster cadeias de contágio; asseguramos transporte a todos os munícipes que tenham necessidade de se deslocar para efetuar testes à Covid-19; realizámos mais de 4000 testes à Covid-19 a toda a população do Concelho, entre 18 e 22 de janeiro; estamos a coordenar, com a Autoridade de Saúde, o processo de vacinação para a população com mais de 80 anos e para pessoas de risco.
Contudo, temos noção de que estes apoios são insuficientes face à dimensão dos prejuízos socioeconómicos provocados pela pandemia, e que, com toda a certeza, vão ser mais intensos ao longo deste ano e provavelmente nos seguintes.
VL – As IPSS´s de toda a região foram chamadas a prestar um apoio social decisivo à população, ao mesmo tempo que tiveram de cumprir apertadas medidas de segurança. Como foi a resposta das Instituições Sociais no Concelho? Que papel coube à Câmara?
No contexto desta pandemia foram fundamentais as seis instituições sociais do Concelho, a quem presto a minha homenagem: Santa Casa da Misericórdia de Sernancelhe, Lar do Sagrado Coração de Jesus, de Ferreirim, Centro Social e Paroquial de Fonte Arcada, Centro Social e Paroquial do Carregal, Lar Nossa Senhora da Lapa, e o Lar de Lamosa. São instituições de grande qualidade, muito bem equipadas, que adotaram, desde a primeira hora, todas as medidas de segurança e proteção em matéria de Covid-19, demonstrando o nível e a qualidade dos seus dirigentes e dos quadros técnicos que exercem um trabalho social de grande valia para o nosso território. Ressalvo igualmente o papel que estas instituições tiveram no apoio domiciliário, nunca deixando de estar perto das pessoas que, não estando institucionalizadas, dependiam diariamente de alimentação e de contacto com os técnicos dos lares que as visitavam em suas casas e acompanhavam o seu estado de saúde. Entendo, pois, as IPSS´s do Concelho como tendo sido fundamentais em todo este longo período de Covid-19, não deixando de reconhecer o quanto delas necessitamos para garantir o bem-estar da nossa população mais idosa e dependente. Enalteço ainda a enorme disponibilidade e abertura demonstradas para colaborarem com a Proteção Civil Municipal e com Município, o que em todos os momentos desta pandemia foi essencial para controlarmos os casos e evitarmos surtos.
VL – O turismo, fundamental na nossa região, foi amplamente afetado, com um decréscimo acentuado no número de visitantes. A restauração, a hotelaria, pequenas empresas, produtos com a marca do Concelho, viram-se em grandes dificuldades. Foi adotada alguma medida especial para este setor e que expetativas tem para a atividade turística para o concelho em 2021?
O turismo foi um dos setores mais afetados com esta crise pandémica. Num momento em que Sernancelhe estava em crescendo, com uma imagem externa muito positiva e com a sua marca “terra da castanha” com evidente notoriedade e bem posicionada, a Covid-19 surgiu como um revés que levará o seu tempo a recuperar face aos níveis de 2019. E, por isso, os efeitos negativos vão ser duradouros e só se inverterão quando o País tiver condições para acolher visitantes e quando internamente e externamente as restrições à mobilidade forem levantadas, o que despertará nas pessoas vontade em visitar, conhecer o País e desfrutarem, depois de tanto tempo de isolamento. Contudo, em Sernancelhe, como temos aliás visto em muitos locais, a solução que adotámos, e cujos resultados geraram maior impacto económico, decorreu em torno de um dos nossos produtos emblemáticos: a castanha. Estando nós em pleno confinamento, decidimos criar uma feira digital, em parceria com a Dott e com os CTT, que permitisse o escoamento deste produto. O resultado foi extraordinário e mais de 15 toneladas de castanha foram comercializadas, o que permitiu manter os preços pagos ao produtor e criar um canal de escoamento alternativo, num ano em que não houve eventos e era preciso continuar a promover e vender a castanha de Sernancelhe. Em complemento, associamos a esta campanha os hotéis, os restaurantes e oferecemos milhares de vouchers para que nos próximos seis meses as pessoas nos visitem, aproveitem a nossa qualidade hoteleira, com descontos especiais. Contudo, sabemos que, perante a devastação trazida pela pandemia, muito há a fazer nos próximos tempos e os apoios anunciados pelo Governo para as pequenas e médias empresas não resolveram os problemas dos empresários e muito menos minoraram os encargos com trabalhadores e com instalações que, estando encerradas, não deixam de gerar despesas a que é preciso darem provimento.
VL – Nesse sentido, ainda, como é que foi a coordenação das medidas a implementar entre o poder local, bem no interior do país, e os organismos centrais? E já agora, desempenhando as funções de Presidente da CIM DOURO, em que medida esta tem contribuído para uma resposta conjunta mais coordenada e eficiente?
O Poder Local em Portugal tem sido protagonista, aos longos dos seus 45 anos de existência, de muitos dos momentos grandes da nossa história democrática. A forma como o País solidificou os princípios da liberdade deve-se, em muito, à presença no território das juntas de freguesia e dos municípios, à sua inigualável capacidade de estarem próximos dos cidadãos e à relação efetiva que estabelecem como os eleitores. É neste quadro de relacionamento com as populações que o Poder Local tem enfrentado a Pandemia da Covid-19. Neste contexto, e no caso de Sernancelhe e da Comunidade Intermunicipal do Douro, tratando-se de espaços de grande atividade turística e em crescendo económico, era necessário que os autarcas unissem esforços e criassem medidas universais para protegerem as suas populações e a sua economia. Assim, e de forma decidida, exercemos o poder limitado que temos para estarmos ao lado da nossa população, colocamos a Proteção Civil no terreno, asseguramos o ensino à distância, coordenamos ações em parceria com as IPSS´s e com as empresas, ajudámos as famílias, o comércio e a indústria. Fomos, cada município e freguesia, elementos de estabilização e segurança das nossas comunidades, num momento em que à crise sanitária foi acrescentado um turbilhão de decisões políticas tardias e contraditórias por parte do Governo. Aliás, o Poder Central nunca envolveu neste processo as autarquias ou a CIM Douro. Nunca nos chamaram para trabalhar em equipa, para unirmos esforços… nunca o Governo olhou para nós como parceiros essenciais no combate a esta pandemia, mesmo depois de termos coordenado e implementado medidas transversais a um território enorme como é o nosso, com grande sucesso e efeitos concretos na saúde pública. Mais grave: no contexto desta pandemia, o Governo inviabilizou um pacote de medidas apresentado pela CIM Douro que previa que os seus 19 municípios abdicassem das verbas que lhes eram destinadas em favor das pequenas empresas e do comércio local que, por força das circunstâncias, viram-se obrigados a encerrar durante meses, para que pudessem suportar a Segurança Social dos seus trabalhadores, garantindo assim a manutenção dos postos de trabalho; fomos igualmente impedidos de afetar verbas para a agricultura, que ajudariam a minimizar os efeitos negativos que a pandemia teve nas campanhas agrícolas do vinho, da maçã, da amêndoa e da baga de sabugueiro, com o argumento de que não temos competência para implementar estas medidas.
Por tudo isto, o que vemos (e percebemos mais ainda com a Covid-19) é um fosso cada vez maior entre o Litoral e o Interior, uma descriminação negativa clara e um marcar passo que nos é imposto por medidas limitativas e por um Governo centralista, aliás o mais centralista das últimas décadas. Senão, veja-se o Plano de Resiliência e Recuperação, apoiado pela União Europeia, com os montantes mais volumosos de há memória em Portugal. Quando é chegada a hora de o País renascer por igual, dando ao Interior os meios e as infraestruturas de que tanto necessita para reverter o seu ciclo de pobreza, desertificação e abandono, o Governo decidiu a próxima década sozinho, não envolvendo o Interior, não acolhendo as suas necessidades e anseios. Este era o momento certo, e derradeiro, para que invertêssemos um ciclo negativo e pudéssemos acreditar em nós como sendo parte do futuro de Portugal.
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), apresentado pelo Governo no dia 15 de fevereiro, é uma sentença de morte ao Interior de Portugal e uma fraude, pois anuncia a “recuperação e resiliência da economia e da sociedade” e promete a coesão territorial mas, na verdade, faz tábua rasa das necessidades e planos estratégicos e de desenvolvimento da CIM Douro, dos seus 19 municípios e condena as aspirações das mais de 200 mil pessoas desta região e de todo o Interior de Portugal. O PRR reflete o desconhecimento e a insensibilidade de quem governa e o oportunismo dos dois estrategas nacionais: o primeiro-ministro e o autor da “estratégia”, o professor Costa Silva. Depois de a CIM Douro ter apresentado ao Governo, em 2017, o seu Plano para a década de 2020/2030 e de ter manifestado junto da Assembleia da República e da União Europeia as prioridades de investimento para que o Douro (Linha do Douro; IC 26; e Douro Inland Waterway) pudesse retomar um processo de crescimento económico sustentável e convergisse com o País e com a Europa, o PRR agora conhecido constitui uma mentira e uma ilusão, concentrando os investimentos concretos e de futuro no Litoral e reservando para a região apenas os cuidados continuados, os cuidados paliativos e o reforço da rede de apoio à terceira idade, dizendo tratar-se de uma medida de “resiliência”, promotora de “desenvolvimento harmonioso do território nacional”. Em junho, quando for conhecido o resultado do CENSOS, o País real que António Costa e António Costa e Silva ignoram na estratégia para a próxima década, vai ser conhecido. E aí vão perceber que daqui a 10 anos o Interior estará morto e que eles foram os coveiros do Interior de Portugal.
VL – A dinâmica dos municípios foi igualmente decisiva neste contexto. Mas, apesar dos constrangimentos, os projetos em curso continuaram. O que gostaria de ver concretizado até ao final deste mandato autárquico?
Esta pandemia trouxe muitas mudanças às nossas vidas mas também na sociedade. A pensar nesta nova realidade, o Município direcionou a maior fatia do seu orçamento para 2021 para o social, procurando minimizar, dentro das nossas possibilidades, os efeitos nefastos de uma pandemia devastadora da nossa sociedade e que coloca em causa a estabilidade social do Concelho e do País. Mantemos igualmente a aposta na economia, continuando a criar oportunidades para os investidores e para as empresas, na certeza de que só estaremos bem socialmente se houver trabalho, se mais empresas aqui se instalarem e se fixarem pessoas. Da parte do Município tudo tem sido feito para que o setor económico seja uma marca do Concelho. O Espaço Empresarial Terra da Castanha é disso bom exemplo, estando a instalar-se neste momento mais empresas, devendo ficar preenchido este ano.
Não esquecemos igualmente a habitação e a necessidade crescente de darmos resposta a quem procura Sernancelhe para trabalhar, mas também para residir. Por isso, fomos decisivos na infraestruturação do Loteamento da Avenida das Tílias, já com várias habitações em construção, e também na segunda fase do Ecoparque habitacional, que terá 12 lotes para construção de habitações. Procuramos, aliás, que este crescimento seja acompanhado de medidas ambientais que protejam a natureza e reduzam a pegada carbónica cada vez mais densa no nosso País, como a eficiência energética ano Complexo Desportivo e a Piscina, onde instalamos painéis solares; oleões para recolha de óleos alimentares em todo o Concelho, uma medida de grande importância para evitar a contaminação dos solos e da água; e a substituição de cerca de 4 mil lâmpadas de iluminação pública, que passarão a utilizar a tecnologia LED, de menor consumo.
O Concelho está assim a ser preparado para o futuro. A aposta no turismo é disso bom exemplo, com vários espaços interpretativos em construção: em Quintela nascerá o Centro Interpretativo do Planalto da Lapa; em Freixinho o Espaço Memória – Gentes e Tradições; está concluído o Espaço da Castanha e do Castanheiro, faltando apenas a sua musealização; em Fonte Arcada está em curso a empreitada de requalificação do Largo do Rossio, que dará nova vida ao Centro Histórico; e em Vila da Ponte estão também em construção os Passadiços do Távora, um importante recurso para a promoção do turismo nas margens do Rio.
Quanto aos projetos que gostaria de ver concretizados, estou, com a minha equipa, a meio de um ciclo que necessita ainda de mais tempo para conhecer os resultados da estratégia que definimos à frente do Concelho de Sernancelhe. E isso aplica-se no setor económico, onde o Espaço Empresarial está praticamente completo e equacionamos uma próxima fase; no turismo, com o Rio Távora a ganhar as condições para que um conjunto de infraestruturas de veraneio fiquem interligadas e possamos oferecer alternativas de grande valor para os visitantes; ao nível do património, continuamos a aposta na preservação do existente mas queremos que o moderno traga nova vitalidade às aldeias; no ambiente, continuaremos a procurar a sustentabilidade, modernizando equipamentos, por forma a desperdiçarmos menos recursos e pouparmos cada vez mais nas faturas de eletricidade e, consequentemente, a investirmos em qualidade de vida para todos os sernancelhenses.
VL – Para alguém que visita o concelho, como o apresentaria? Que caraterísticas distintivas tem este território, do ponto de vista económico e empresarial, cultural e patrimonial?
O Concelho de Sernancelhe é, decorrente do seu posicionamento geográfico, marcadamente rural, com forte implantação do setor agrícola. Contudo, desde a década de 80/90 do século XX que esta realidade tende a alterar-se, muito graças à visão estratégica de empresas que decidiram empreender, ir à procura do mercado, e de novos mercados, estar no mercado Europeu e, em poucos anos, conseguiram criar agroindústrias de grande valor e com cada vez maior peso na economia do Concelho e da região e também do País. Por arrasto, fizeram crescer a cotação de produtos como a castanha, a maçã, a uva, que hoje são marcas identitárias do nosso Concelho, muito procuradas e valorizadas. Sendo Sernancelhe muito conhecido pela qualidade dos seus recursos endógenos, o setor dos granitos deu igualmente um impulso muito grande à nossa dinâmica concelhia, com várias empresas extrativas e de transformação em crescendo. E hoje, fruto da inovação e capacidade de abrir horizontes dos nossos empresários, somos também considerados em setores como a metalomecânica, as caixilharias e as madeiras, de que nos tornamos exportadores.
Em termos patrimoniais Sernancelhe é a terra de Aquilino Ribeiro, do Santuário da Lapa e da Castanha. Quase nove séculos de história colocam Sernancelhe entre as terras mais antigas do País. Antiguidade patente na Igreja Românica, do séc. XII, com o seu arco de volta perfeita, exibindo dois grupos escultóricos inscritos em nichos onde pontua o peregrino Apóstolo Santiago. Aqui nasceu o escritor Aquilino Ribeiro, um distinto autor português, distinguido pelo País com lugar no Panteão Nacional. A quase mil metros de altitude, no planalto, ergue-se o Santuário da Lapa, um dos mais antigos da Península Ibérica, e que guarda uma das mais belas páginas da difusão do culto no País e no Mundo, sendo indelével a marca deste lugar na evangelização das nações aquando dos Descobrimentos. Pelo concelho sobressarem muito lugares únicos, de rara beleza e com notável património, como o Santuário de Nossa Senhora da Lapa, com o Colégio, Casa da Câmara e Cadeia, o Convento de Nossa Senhora da Assunção, em Tabosa do Carregal, o Recolhimento de Nossa Senhora do Carmo, em Freixinho, o Pátio Aquilino Ribeiro, o Centro Histórico de Sernancelhe, a aldeia de Fonte Arcada, a Casa da Loba e o Relógio, as graníticas serras da Lapa e da Zebreira, os miradouros da Senhora de Ao Pé da Cruz e Senhora das Necessidades e as aldeias ribeirinhas de Vila da Ponte, Freixinho e Faia. A natureza também é uma referência em Sernancelhe, com os frondosos e extensos soutos da Seara, da variedade martaínha, a moldarem a paisagem e a formarem um ecossistema único, muito procurado para a prática desportiva, integrando hoje a rota dos Caminhos de Santiago.
Culturalmente distinguimo-nos por eventos com que refletem a nossa identidade, como a Festa da Castanha, quase a completar 30 anos, e que é o maior e que mais longe leva o nome de Sernancelhe; o Festival de Sopas e Encontro de Ranchos, que é uma celebração da tradição mais autêntica do nosso povo; a Feira Aquiliniana, que alia Aquilino Ribeiro à Lapa numa viagem até ao século XIX/XX; as romarias da Lapa, entre outros acontecimentos que marcam o nosso calendário cultural, a que esperamos regressar mal termine esta pandemia da Covid-19.
VL – A população concelhia, a exemplo do que acontece em todo o interior português, envelhece e diminui. Que consequências se avizinham? Como contrariar o êxodo da população a que assistimos e favorecer a sua fixação entre nós? Como vê, a partir do lugar que ocupa, a situação do País? Tendo em conta também os tempos que se avizinham…
Quando assumi o desafio de ser Presidente da CIM Douro tive uma noção clara de que o problema do envelhecimento populacional, o êxodo e as dificuldades em fixarmos e atrairmos pessoas para os nossos concelhos, era uma realidade comum a todos, independentemente de serem vilas ou cidades. E tendo esta realidade bem presente fizemos um exercício de planeamento que nos permitia olhar para a próxima década (2020/2030) como sendo decisiva para que esta região, que compreende 19 concelhos e mais de 200 mil pessoas, pudesse empreender um ciclo de viragem demográfica que nos colocasse na rota do País e da Europa. Elaborámos um documento, o Portugal 2030, que apresentámos ao Governo e à União Europeia, em que elegíamos três obras essenciais para que tal acontecesse: a Modernização da Linha de comboio do Douro, com ligação a Espanha; a construção do IC 26, que atravessaria a CIM Douro e nos aproximaria da fronteira com Vilar Formoso; e o Douro Inland Waterway, que tornaria o Rio Douro navegável para mercadorias. Foram as medidas que todos os colegas autarcas aceitaram e entenderam como essenciais para o desencravamento da região, para a sua abertura à Europa e para o tão desejado desenvolvimento económico, social e turístico.
A nossa estratégia era que estas propostas fossem contempladas no novo quadro comunitário e que, com a sua concretização, fixássemos pessoas, atraíssemos outras e abríssemos novos caminhos de futuro para o Douro. Entretanto, chegou, fruto da Covid-19, o Plano de Resiliência, ainda com mais apoios e montantes financeiros nunca vistos para o nosso País, o que nos fez acreditar que seria a grande oportunidade, pois tínhamos o perfil certo para acolher os apoios da União Europeia: necessidade de desenvolver, de inovar, de consolidar o território do ponto de vista demográfico e vontade e disponibilidade para nos abrirmos a Espanha e consequentemente à Europa. Contudo, com este estado de coisas e a postura discriminatória do Governo para com o Interior, basta olharmos para o passado recente para percebermos que a realidade social dos nossos territórios acontece, e agrava-se, porque daqui continuam a sair os recursos, aqui gera-se riqueza, aqui produz-se mas são outros pontos do País que deles beneficiam. Há uma descriminação negativa em toda a linha que urge ser invertida com políticas nacionais, que tratem diferente quem é diferente, que demonstrem vontade em equilibrar o País, e que não cavem um fosso cada vez maior e insustentável entre regiões, pois os efeitos continuados desta linha irresponsável de vários governos vão agravar ainda mais a nossa situação.
VL – A menos de um ano do fim do atual mandato autárquico, e sendo este o último de três mandatos, que balanço faz do trabalho realizado?
Como referi, entendo que estou a cumprir um ciclo autárquico que está longe de estar concluído. Os resultados das linhas estratégicas implantadas a nível concelhio chegarão dentro de vários anos e, acredito, serão então os sernancelhenses a avaliá-las e a julgarem os efeitos positivos das mesmas.
Com efeito, tenho consciência de que têm sido cumpridas as expetativas que formulamos de olharmos para a economia como promotora de riqueza para o território, para as pessoas e para as famílias e, de forma global, para a melhoria da qualidade de vida e bem-estar dos nossos munícipes. Acredito que quanto mais forte for a nossa economia, quanto mais saudáveis forem as nossas empresas, quantos mais postos de trabalho criarem, maior será a tendência para que as pessoas se mantenham por cá e consigamos atrair novos quadros para aqui trabalharem, residirem e constituírem família.
Contudo, reconheço que temos apostado decisivamente em várias áreas, como na cultura - sempre assente nas marcas Castanha, Aquilino Ribeiro e Santuário da Lapa -, o que nos permitiu dar um salto qualitativo nos últimos anos, trazendo por arrasto uma dinâmica turística muito interessante e com notório retorno para os artesãos, os restaurantes, a agricultura e as empresas.
No campo social mantemos o apoio à nossa população, em que o Regulamento de Apoio à Compra de Medicamentos à população mais idosa é um marco, dando apoios de 400 euros por pessoa, e 800 euros se se tratar de um casal. Financeiramente, o Município mantém-se saudável, apesar do esforço e do investimento no Espaço Empresarial e na continuação de investimentos em equipamentos culturais, recreativos e turísticos em várias freguesias do Concelho. Por tudo isto, o maior desafio que temos nos próximos anos é continuarmos próximos das pessoas, correspondermos às suas necessidades e anseios e sermos parceiros ativos no território.
VL – Que mensagem de esperança e de estímulo gostaria de transmitir aos seus munícipes para este novo ano?
Este ano 2021 chega depois daquele que foi um dos piores das nossas vidas. Marcado por uma pandemia à escola global, todos fomos afetados, sem que pudéssemos reagir a uma pandemia que nos assusta e que vai deixar marcas nos próximos tempos. Na nossa economia, na maneira de nos relacionarmos, nos nossos estilos de vida, muita coisa se alterou. Mas nas adversidades redobra a nossa capacidade de nos superarmos e renascermos. Acredito que vamos conseguir, se nos mantivermos unidos, solidários e disponíveis para nos ajudarmos uns aos outros. O desafio é grande, a recuperação vai ser lenta e muitos percalços vamos encontrar pelo caminho. Contudo, conheço os sernancelhenses, sei a força de caráter que têm, são gente de arregaçar as mangas, de enfrentar o trabalho e de nunca desistirem. Sernancelhe conta com todos para os tempos que aí vêm. Juntos vamos conseguir.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 91/18, n.º 4600, 16 de março de 2021