ARQUIVO - Documentação Útil
ISAAR (CPF)
Segunda Edição.
CARTA CIRCULAR
A FUNÇÃO PASTORAL DOS ARQUIVOS ECLESIÁSTICOS *
Eminência (Excelência) Reverendíssma.
No DECURSO da sua história milenária, a Igreja prodigalizou-se em múltiplas iniciativas pastorais, adaptando-se à índole de culturas bastante diversas entre si, com o único intento de anunciar o Evangelho. A memória das obras produzidas confirma o incessante esforço dos crentes em procurar esses bens para criar uma cultura de inspiração cristã, a fim de promover integralmente a pessoa humana como pressuposto indispensável para a sua evangelização.
Além da produção desses bens culturais, a Igreja interessou-se depois pela sua valorização pastorale, consequentemente, pela tutela daquilo que produziu para exprimir e actuar a sua missão. Pertence a este último aspecto o cuidado em conservar a recordação da múltipla e diferenciada acção pastoral através dos arquivos. Na mens da Igreja, com efeito, os arquivos são lugares da memória das comunidades cristãs e factores de cultura para a nova evangelização.
São, pois, um bem cultural de primeira importância, cuja peculiaridade está em registar o percurso feito ao longo dos séculos pela Igreja em cada uma das realidades que a compõem.
Enquanto lugares da memória, devem recolher sistematicamente todos os dados com que é escrita a articulada história da comunidade eclesial, para oferecer a possibilidade duma côngrua avaliação daquilo que se fez, dos resultados obtidos, das omissões e dos erros.
O estudo documentado e não prejudicial do próprio passado torna a Igreja mais “perita em humanidade’’, pois faz conhecer a sua espessura histórica e, ao mesmo tempo, permitelhe reconhecer-se na sua necessária, pluriforme e contínua obra de inculturação e aculturação.
Essa indagação, que procede da ponderada colecta daquilo que é documentável, ajuda a mostrar um futuro fundado sobre as contribuições da Tradição, na qual a memória é também profecia.
Servindo-nos duma feliz reflexão da escola de Chartres, podemos dizer que nos sentimos como gigantes se tivermos a consciência, embora sendo anões, de que temos sobre os nossos ombros gerações que nos precederam no sinal da única fé. Com efeito, as fontes históricas ligam a Igreja num ininterrupto regime de continuidade. Isto parte da mensagem de Jesus, passa através dos escritos da primeira comunidade apostólica e de todas as comunidades eclesiais, chegando até nós num proliferar de imagens que documentam o processo de evangelização de cada Igreja particular e da Igreja universal. À inclemência de tantas circunstâncias históricas, que providencialmente não destruíram a memória dos eventos nas suas grandes linhas, deve então contrapor-se o nosso esforço de tutela e de valorização do material documentário, a fim de o usufruir no hic et nunc da Igreja.
Quanto aos conteúdos específicos os arquivos conservam as fontes do desenvolvimento histórico da comunidade eclesial e as relativas à actividade litúrgica e sacramental, educativa e assistencial, que clérigos, leigos e membros dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica realizaram ao longo dos séculos, e ainda hoje realizam. Não raro, eles conservam os documentos sobre a instituição das obras por eles patrocinadas e as inerentes às relações jurídicas entre as diversas comunidades, institutos e pessoas.
Sobre as questõcs concernentes aos arquivos, numerosas foram as intervenções dos Sumos Pontífices, que aliás conservaram as suas memórias de maneira exemplar, no antigo e glorioso Scrinium Sanctae Sedis do Latrão e, portanto, no mais moderno Arquivo Secreto Vaticano. Repetidas foram as normas dadas pelos Concílios gerais e pelos Sínodos diocesanos.Como inúmeros são os exemplos de nobres tradições arquivísticas nas Igrejas particulares, nas Ordens e Congregações religiosas 1. Já o precedente de 1917 2, como o actual Código de Direito Canónico (25 de Janeiro de 1983) 3 e o Código dos Cânones das Igrejas Orientais (18 de Outubro de 1990) 4, dão oportunas normas para a diligente conservação e para a atenta valorização das fontes arquivísticas. A partir do ano de 1923 é oferecido depois junto da Escola Pontifícia de Paleografia e Diplomática o curso de Arquivística, pela qual a própria instituição assumiu a denominação oficial de ESCOLA VATICANA DE PALEOGRAFIA, DIPLOMÁTICA E ARQUIVÍSTICA. Ao lado dessa realização é necessário recordar a instituição por parte do Sumo Pontífice João Paulo II, a 28 de Junho de 1988, da PONTIFÍCIA COMISSÃO PARA A CONSERVAÇÃO DO PATRIMÓNIO ARTÍSTICO E HISTÓRICO junto da Congregação para o Clero 5 e a sucessiva reforma, pela qual a mencionada PONTIFÍCIA COMISSÃO PARA A CONSERVAÇÃO DO PATRIMÓNIO ARTÍSTICO E HISTÓRICO, por vontade do Romano Pontífice, assume a denominação de PONTIFÍCIA COMISSÃO PARA OS BENS CULTURAIS DA IGREJA, com autonomia própria 6.
Além disso, o Sumo Pontífice João Paulo Il, na Constituição Apostólica Pastor bonus (28 de Junho de 1988), declarou com autoridade que “entre os bens históricos têm importância particular todos os documentos e instrumentos jurídicos, que se referem e atestam a vida e o cuidado pastoral, assim como os direitos e as obrigações das dioceses, das paróquias, das igrejas e das outras pessoas jurídicas instituídas na Igreja” 7. O mesmo Pontífice retornou sobre o argumento na alocução programática, pronunciada por ocasião da Primeira Assembleia Plenária da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja, traçando uma ampla tipologia dos bens culturais “postos ao serviço da missão da Igreja”, entre os quais são elencados “os documentos históricos conservados nos arquivos das comunidades eclesiais” 8.
Das supramencionadas e autorizadas intervenções e da crescente literatura científica e histórica emerge o interesse eclesial pela obra de conservação do bem vivo da memória. tendente a atrair a atenção do Povo de Deus para a sua história.
Por sua vez, a Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja transmitiu várias vezes aos Eminentíssimos e Excelentíssimos Arcebispos e Bispos o desejo do Sumo Pontífice, João Paulo II, para que aos bens culturais da Igreja seja dada a atenção que merecem, enquanto testemunhos das tradições cristãs e meio na obra da nova evangelização requerida pelo actual momento histórico. Depois de uma primeira carta circular, enviada aos Presidentes das Conferências Episcopais (10 de Abril de 1989) a fim de recolher dados informativos sobre o sector dos bens culturais, e portanto também sobre a organização dos arquivos, proveu-se a dirigir uma segunda aos Presidentes das Conferências Episcopais da Europa (15 de Junho de 1991), em vista da próxima abertura das fronteiras europeias, para solicitar o inventário e a colecta de documentação relativa aos bens histórico-artísticos. Em seguida, esta Comissão fez votos, com a carta circular do dia 15 de Outubro de 1992, por uma adequada formação dos futuros presbíteros, durante o currículo dos estudos filosófico-teológicos, sobre a importância e a necessidade dos bens culturais na expressão e no aprofundamento da fé. Com a carta circular de 19 de Março de 1994, pelo contrário, chamou a atenção para a peculiariedade das bibliotecas eclesiásticas na missão da Igreja. Por fim, com a presente, quer suscitar o interesse pelos arquivos, devido à sua importância cultural e pastoral, obedecendo assim ao desejo do Sumo Pontífice, expresso aos Membros da Primeira Assembleia Plenária desta Pontificia Comissão, o qual, superando o conceito da pura conservação do património dos bens culturais, afirma que “é necessário actuar uma sua orgânica e sapiente promoção, a fim de os inserir nos circuitos vitais da acção cultural e pastoral da Igreja” 9.
1. A IMPORTÂNCIA ECLESIAL DA TRANSMISSÃO DO PATRIMÓNIO DOCUMENTAL
A documentação conservada nos arquivos da Igreja católica é um património imenso e precioso.
Basta considerar o grande número de arquivos que se formaram após a presença e a actividade dos bispos nas cidades episcopais. Devem ser mencionados, entre os mais antigos, os arquivos episcopais e os arquivos paroquiais. Estes, não obstante as alternas vicissitudes históricas, em muitos casos foram incrementados com novos documentos relativos à modificação da organização institucional da Igreja e ao desenvolvimento da sua acção pastoral e missionária.
Por antiguidade e importância do material recolhido, são significativos os arquivos dos mosteiros de tradição variada. A vida cenobítica desempenhou, de facto, um papel primário na evangelização das populações circunstantes aos agrupamentos religiosos; ele deu início a importantes instituições caritativas e educativas; transmitiu a cultura antiga e, mais recentemente, proveu à restauração dos documentos arquivísticos, instituindo laboratórios especializados. Além dos arquivos dos mosteiros, devem ser enumerados os das Congregações religiosas, dos outros institutos de vida consagrada, das sociedades de vida apostólica mais recentes com as típicas organizações locais, provinciais, nacionais e internacionais.
Devem-se ainda acrescentar os arquivos que conservam a documentação produzida pelos Cabidos dos cónegos, quer catedrais, quer colegiais; os dos centros de educação do clero (como seminários, universidades eclesiásticas e institutos superiores de vários tipos); os dos grupos e das associações dos fiéis, antigas e contemporâneas, entre as quais as confrarias ocupam um lugar de relevo por antiguidade e benemerências; os das instituições hospitalares e escolásticas; os das obras missionárias, através das quais se concretizou o apostolado da caridade dos cristãos. É deveras impossível descrever inteiramente a geografia dos arquivos eclesiásticos, os quais, embora na observância das disposições canónicas, são autónomos na sua regulamentação, diversos na organização, próprios para cada uma das instituições que se formaram na história bimilenária da Igreja.
1.1. Transmissão como movimento da Tradição
Os arquivos eclesiásticos, conservando a genuína e espontânea documentação surgida em relação a pessoas e acontecimentos, cultivam a memória da vida da Igreja e manifestam o sentido da Tradição. Com efeito, com as informações neles recolhidas, permitem reconstruir as vicissitudes da evangelização e da educação para a vida cristã. Eles constituem a fonte primeira para redigir a história das multiformes expressões da vida religiosa e da caridade cristã.
A vontade, por parte da comunidade dos crentes, e em particular das instituições eclesiásticas, de recolher desde a época apostólica os testemunhos da fé e cultivar a memória deles, exprime a unicidade e a continuidade da Igreja que vive estes tempos últimos da história. A venerada recordação daquilo que disse e fez Jesus, da primeira Comunidade cristã, da Igreja dos mártires e dos padres, do expandir-se do cristianismo no mundo, é motivo eficaz para louvar o Senhor e dar-Lhe graças pelas “grandes coisas” que inspirou ao seu povo. Na mens da Igreja a memória cronológica leva, portanto, a uma releitura espiritual dos eventos no contexto do eventum salutis e impõe a urgência da conversão a fim de chegar ao ut unum sint.
1.2. Transmissão como memória da evangelização
Tais motivações teológicas fundamentam a atenção e o cuidado das comunidades cristãs na custódia dos seus arquivos. As fontes históricas, conservadas nas antigas arcas ou nas estantes modernas, consentiram e favorecem, com efeito a reconstrução dos eventos e, portanto, permitem transmitir a história da acção pastoral dos bispos nas suas dioceses, dos párocos nas suas paróquias, dos missionários nas zonas de primeira evangelização, dos religiosos nos seus institutos. Pensemos nas actas das visitas pastorais, nos relatórios para as visitas adlimina, nos relatórios dos núncios e dos delegados apostólicos, nos documentos dos concílios nacionais e dos sínodos diocesanos, nos despachos dos missionários, nas actas dos capítulos dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica, etc.
Os registos paroquiais, que atestam a celebração dos sacramentos e anotam os defuntos, juntamente com os fascículos curiais, que referem as ordenações sagradas, deixam entrever a história da santificação do povo cristão nas suas dinâmicas institucionais e sociais. As anotações relativas às profissões religiosas permitem colher o desenvolvimento dos movimentos espirituais nas formas históricas, nas quais se expressa a sequela Christi. Também os relatórios relativos à administração dos bens eclesiásticos reflectem o empenho das pessoas e a actividade económica das instituições, constituindo uma importante fonte documental.
O material recolhido nos arquivos põe em relevo no seu complexo a actividade religiosa cultural e assistencial das múltiplas instituições eclesiásticas, favorecendo a compreensão histórica das expressões artísticas que se originaram no decurso dos séculos, a fim de exprimir o culto, a piedade popular e as obras de misericórdia. Os arquivos eclesiásticos merecem, pois, atenção sobre o aspecto tanto histórico quanto espiritual e permitem compreender o ligame intrínseco destes dois aspectos na vida da Igreja. Com efeito, através da diversificada história das comunidades, atestada nos seus relatórios, são manifestos os traços da acção de Cristo, que fecunda a sua Igreja sacramento universal de salvação e a estimula nos caminhos dos homens. Nos arquivos eclesiásticos, como Paulo VI gostava de dizer, são conservados os traços do transitus Domini na história dos homens 10.
1.3. Transmissão como instrumento pastoral
As instituições cristãs assumiram na sua actividade as conotações e as modalidades das diversas culturas e conjunturas históricas. Simultaneamente resultaram uma importante agência cultural. Iniciando o terceiro milénio cristão, é mais do que nunca útil redescobrir esta multiforme inculturação do Evangelho, realizada nos séculos passados e ainda actual, na medida em que a Palavra do Senhor é anunciada, acreditada e vivida pela comunidade dos crentes com inúmeros costumes locais e diversas práxis pastorais.
A memória histórica faz parte da vida de cada comunidade, e o conhecimento de tudo aquilo que testemunha o suceder-se das gerações, o seu saber e o seu agir, cria um regime de continuidade. Portanto, com o seu património documental, conhecido e comunicado, os arquivos podem tornar-se instrumentos úteis para uma esclarecida acção pastoral, pois através da memória dos factos se concretiza a Tradição. Podem, além disso, oferecer aos pastores e aos leigos, mutuamente empenhados na acção vangelizadora informações sobre as diversas experiências distantes e recentes.
A consciência de perspectiva da acção eclesial haurida dos arquivos oferece a possibilidade duma côngrua adequação das instituições eclesiásticas às exigências dos fiéis e dos homens do nosso tempo. Através duma pesquisa histórica, cultural e social, os centros de documentação favorecem, com efeito, o desenvolvimento das precedentes experiências eclesiais, a verificação das inobservâncias, a renovação em referência às mudadas condições históricas. Uma instituição que esquece o próprio passado, dificilmente consegue configurar a sua função entre os homens dum determinado contexto social, cultural e religioso. Nesse sentido, os arquivos, conservando os testemunhos das tradições religiosas e da práxis pastoral, têm uma sua intrínseca vitalidade e validade. Eles contribuem de maneira eficaz para fazer crescer o sentido de pertença eclesial de cada uma das gerações, e tornam manifesto o empenho da Igreja num determinado território. Compreende-se, por isso, o cuidado que muitas comunidades locais têm no presente e tiveram no passado em favor destes centros de cultura e de acção eclesial.
2. OS LINEAMENTOS DE UM PROJECTO ORGÂNICO
Os arqtiivos são os lugares da memória eclesial que deve ser conservada e transmitida, reavivada e valorizada, pois representam a mais directa ligação com o patriinónio da comunidade eclesial. As perspectivas para um seu impulso são favoráveis, tendo-se em conta a sensibilidade que se desenvolveu em muitas Igrejas particulares em relação aos bens culturais e, em particular, à memória dos eventos locais. As iniciativas quanto a isto são múltiplas e significativas não só no campo eclesiástico, mas também no campo civil. Com efeito, em muitas Nações é viva e crescente a atenção pelos bens culturais eclesiásticos, considerado o papel que a Igreja católica desempenhou na sua história. Também nos países de evangelização recente e de profundas agitações sociais a tutela dos arquivos está a assumir um significado social e culturalmente relevante.
No conjunto a situação dos arquivos eclesiásticos é mais do que nunca diferenciada. Portanto, esta Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja considera oportuno indicar a Suas Eminências e Excelências algumas orientações gerais para a formulação de específicos programas de acção, tendentes à conservação e à valorização do património arquivístico das lgrejas particulares tendo em conta as diversas situações.
Na tipologia eclesiástica, os arquivos distinguem-se em arquivos diocesanos, arquivos paroquiais, arquivos de outras entidades não sujeitas ao Bispo diocesano, arquivos de pessoas jurídicas. Em ordem à função há arquivos correntes (dos documentos da vida e gestão da entidade), arquivos históricos (dos documentos de relevância histórica), arquivos secretos diocesanos ( dos documentos das causas criminais, dos atestados dos matrimónios de consciência, das dispensas dos impedimentos ocultos, etc.).
A responsabilidade pelo material documental ali recolhido está confiada em primeiro lugar a cada uma das entidades eclesiásticas, razão por que é preciso estabelecer in loco os critérios oportunos a essa observância. Procedendo ao potenciamento ou à instituição dos arquivos históricos, à tutela e conservação do arquivo secreto, à côngrua disposição dos arquivos correntes, à oportuna informatização, à assunção de pessoal qualificado, ao auxílio de técnicos, à circulação de informações entre os diversos arquivos, à participação em Associações arquivísticas nacionais e internacionais, e à promoção da comunicabilidade do material recolhido para a consulta e para o estudo. Além disso, é para desejar, onde for possível, a instituição de Comissões compostas pelos responsáveis dos arquivos existentes nas Dioceses e por especialistas de sector.
Na organização dos arquivos e na sua administração podem-se adoptar metodologias diferenciadas, que acolhem determinadas teorias arquivísticas, respondendo a particulares exigências e a concretas possibilidades de agir. Com efeito, não se pode pôr a hipótese dum projecto orgânico igual para todos os arquivos eclesiásticos, mas ao mesmo tempo sublinha-se a necessidade de elaborar um projecto coerente, aberto a futuros desenvolvimentos mesmo tecnológicos e ao intercâmbio das informações. Nesse sentido sugerem-se algumas orientações práticas de carácter exemplificativo, a fim de ter em consideração o problema arquivístico.
2.1. Potenciamento ou instituição do arquivo histórico diocesano
Deve-se ressaltar a primeira responsabilidade das Igrejas particulares em ordem à própria memória histórica. Para isto o Código de Direito Canónico impõe expressamente ao Bispo diocesano, e por conseguinte aos seus equiparados segundo a norma do cân. 381 § 2, o dever de estarem atentos a que “as actas e os documentos dos arquivos das igrejas catedrais, colegiadas, paroquiais e das outras igrejas, que estão presentes no seu território, sejam diligentemente conservados e que se compilem inventários ou catálogos em dois exemplares, dos quais um seja conservado no arquivo da respectiva igreja e o outro no arquivo diocesano” 11; ao que se acrescenta o dever de que na diocese “haja um arquivo histórico e que os documentos, que têm valor histórico, ali sejam conservados de modo diligente e ordenados de maneira sistemática” 12. 0 próprio Bispo diocesano, conforme o cân. 491 § 3 13, deve além disso prover esse arquivo dum regulamento que lhe permita o funcionamento correcto em relação à sua finalidade específica.
A correcta organização do arquivo histórico diocesano pode servir de exemplo às outras entidades e associações eclesiásticas presentes no território. Em particular pode constituir um paradigma útil para os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica, junto dos quais há, em muitos casos, um abundante depósito arquivístico, a fim de que provejam à instituição ou ao potenciamento dos respectivos arquivos com os mesmos critérios.
Um arquivo histórico eclesiástico pode encontrar-se na eventualidade de acolher fundos de arquivos privados (de cada um dos fiéis da Igreja ou de pessoa jurídica eclesiástica privada). A propriedade desses arquivos permanece do fiel ou da entidade depositária, salvo particulares direitos adquiridos no acto de concessão do fundo (como, por exemplo, a tutela da sua integridade, as normas para a conservação em lugar à parte, os critérios de consultação). Ao acolher esses fundos no arquivo eclesiástico, dever-se-ão pôr na acta oficial de convenção cláusulas sobre a exacta observância das disposições do arquivo que o recebe. Se depois esses fundos caem sob a competência civil, seguir-se-ão as normas vigentes na nação.
No respeito das competências canónicas e civis, deve também ser prevista a hipótese de concentrar alguns arquivos menores, não suficientemente tutelados, em sedes centrais, seja embora a vários títulos (depósito, extinção ou supressão da pessoa jurídica eclesiástica, etc.). Tal concentração tem em vista salvaguardar a conservação mesma do material, a fim de o usufruir e defender. Os Bispos diocesanos e os outros legítimos responsáveis devem tomar providências, quando os documentos correm o perigo de se encontrar em sedes impróprias ou de facto se encontram em sedes já não tuteladas como paróquias e igrejas sem sacerdotes ou encarregados como mosteiros e conventos já não habitados por comunidades religiosas. Adoptando esta hipótese de concentração deve-se, porém, conservar íntegro o fundo, possivelmente na sua primigénia sistematização, pois é o único modo para salvaguardar a unidade originária do material transferido.
Dada a complexidade e a delicadeza da documentação é de primária importância confiar a direcção do arquivo histórico a pessoas particulamentc competentes e recorrer à colaboração de especialistas para problemáticas particulares.
2.2. Adequação do arquivo corrente
Para a vida ordinária da comunidade eclesial assume notável importância o arquivo corrente. Ele exprime o tecido da actividade pastoral duma circunscrição eclesiástica, razão por que é preciso organizá-lo com critérios que tenham em conta exigências do presente e que estejam abertos a futuros desenvolvimentos.
A arquivagem da documentação contemporânea é importante quanto à colecta dos documentos antigos e à conservação dos arquivos históricos. Com efeito os arquivos históricos de amanhã estão nos hodiernos arquivos correntes das várias cúrias episcopais ou provinciais, dos cartórios paroquiais e das secretarias de cada instituição eclesiástica. Neles é documentada momento por momento a vida da comunidade eclesial no seu contínuo desenvolvimento, na sua organização minuciosa e na múltipla actividade desenvolvida pelos seus membros. Especialmente no periodo pós-conciliar teve início um profícuo processo de renovação, verificaram-se mudanças também radicais na organização das instituições eclesiais, registaram-se novos desenvolvimentos e momentos de paragem na actividade missionária da Igreja, impôsse a urgência do redimensionamento em muitas instituições por causa da queda vocacional, da diminuição da prática religiosa e de outras condições adversas que se verificaram sobretudo nos países ocidentais. A documentação produzida foi superabundante e reveste particular importância, razão por que é preciso uma conveniente regulamentação e organização.
Do funcionamento dos arquivos correntes podem depender, no presente, a informação e a coordenação das múltiplas iniciativas e, no futuro, a imagem de diocese, de paróquia, de instituto de vida consagrada, de sociedade de vida apostólica, de associação de fiéis, de movimento eclesial. Se não se provê adequadamente e com uma certa urgência a estabelecer os arquivos correntes, podem-se causar danos que comprometem a memória histórica e como consequência, a actividade pastoral das lgrejas particulares.
Os arquivos, se bem administrados, são um útil instrumento de verificação das iniciativas empreendidas a breve, médio e longo prazo, e por isso é preciso fixar os critérios de aquisições das actas, ordená-las organicamente, distingui-las tipologicamente (por exemplo, os registos das actas e dos actos da vida eclesial, que têm um regime continuativo, devem ser considerados diversamente de cada prática individual, que se exaure no seu cumprimento). O Código de Direito Canónico prescreve depois a todos os administradores dos bens eclesiásticos que “cataloguem de modo adequado documentos e instrumentos, sobre os quais se fundam os direitos da Igreja ou do instituto acerca dos bens, conservando-os num arquivo conveniente e idóneo” 14.
Atenção particular deve ser dada à metodologia no ordenar o arquivo. Ela não pode limitar-se a projectar a colecta e a sistematização do material em papel, mas antes deve organizar a documentação oferecida - através de registrações via computer, em áudio ou em vídeo - pelos vários meios técnicos em contínuo desenvolvimento para o multimédia (diapositivos, cassetas em som, cassetes em vídeo, disquetes CD, CDrom etc.). A respeito disso, no âmbito dos arquivos eclesiásticos, às vezes deve-se ainda adquirir, onde for possível, uma conveniente mentalidade administrativa de acordo com as tecnologias modernas.
2.3. Mútua colaboração com as Entidades civis
Em muitas Nações já está em avançada actuação uma política dos bens culturais, traduzida em leis específicas, regulamentos, acordos com entidades privadas e projectos concretos. Na sua relação com os Estados, a Igreja reafirma a finalidade eminentemente pastoral dos próprios bens e a sua persistente actualidade em relação à obtenção dos fins que lhe são próprios. Esta sua posição não exclui, mas antes torna vital a utilização do património documental recolhido no âmbito dum determinado território e duma particular conjuntura cultural, em benefício tanto da comunidade eclesial, quanto da comunidade civil.
Essa atenção das Comunidades políticas envolve de vários modos os bens culturais que pertencem às entidades eclesiásticas, razão por que não raramente se lavraram entendimentos recíprocos e foi favorecida a harmonização das intervenções. Com efeito, difundida é a convicção de que também os arquivos históricos das entidades eclesiásticas começam a fazer parte do património nacional, embora na sua devida autonomia. Nesse sentido devem ser garantidas e promovidas normas que respeitem a sua pertença, natureza e destino originário e próprio. Além disso, é preciso favorecer e solicitar iniciativas para fazer conhecer a acção realizada pela Igreja numa determinada Comunidade política, através da documentação recolhida nos arquivos.
Em relação à Comunidade política é muito necessário que os Bispos diocesanos e todos os responsáveis pelos arquivos eclesiásticos tenham uma atitude de respeito para com as leis vigentes nos vários Países, obviamente de acordo com as condições previstas pelo cân. 22 do Código de Direito Canónico. É de igual modo para desejar que as Igrejas particulares se sirvam da colaboração da Comunidade política, tendo como base apropriadas convenções estipuladas pela Sé Apostólica ou por seu expresso mandato.
2.4. Orientações comuns das Conferências Episcopais
Tal interacção entre a competente autoridade eclesiástica c a civil solicita as Conferências Episcopais nacionais e regionais a promoverem uma orientação comum nas Igrejas particulares, a fim de coordenar as intervenções em favor dos bens históricos-culturais e, em particular, dos arquivos, embora na salvaguarda do poder legislativo de direito divino próprio do Bispo diocesano 15.
É portanto oportuno:
– reafirmar o respeito que a Igreja sempre nutriu para com as culturas, também aquelas clássicas não cristãs, das quais conservou e transmitiu, não raro salvando-os de um provável esquecimento, muitos testemunhos escritos;
– suscitar a convicção de que o cuidado e a valorização dos arquivos assumem notável relevância cultural, podem ter um profundo significado pastoral e podem tornar-se um eficaz instrumento de diálogo com a sociedade contemporânea;
– conservar nos arquivos as actas previstas e aquilo que concorre para fazer conhecer a vida concreta da comunidade eclesial;
– encorajar a redacção de crónicas dos eventos de cada uma das entidades eclesiásticas, a fim de fornecer um quadro de referência ao material documental o que se recolhe nos arquivos;
– ter cuidado particular em conservar a documentação (também valendo-se das novas tecnologias), de tradições religiosas e de iniciativas eclesiais que se estão a extinguir, a fim de perpetuar a sua memória histórica;
– fazer convergir em linhas comuns o empenho das lgrejas particulares em ordem à metodologia de colecta, de conservação, de tutela, de utilização, etc;
– estudar a possibilidade e o modo de recuperar os arquivos confiscados no passado, muitas vezes por causa de complexas vicissitudes históricas, e dispersos em outras entidades, através de acordos de restituição ou reproduções informáticas (microfilmes, discos ópticos, etc.), especialmente quando estes contêm documentos relevantes para a história da comunidade eclesial;
– reafirmar a cada administrador dos bens eclesiásticos as responsabilidades em ordem à custódia da documentação, de acordo com as disposições canónicas;
– encorajar os arquivistas no seu trabalho de tutela promovendo a sua actualização, convidando-os a fazer parte das Associações nacionais competentes desse sector e organizando reuniões de estudo, para o aprofundamento dos problemas relativos à administração dos arquivos eclesiásticos;
– despertar nos párocos e em todos os responsáveis pelas pessoas jurídicas sujeitas ao Bispo diocesano a sensibilidade para com os arquivos da sua competência, a fim de que se empenhem na colecta do material, na sua sistematização e valorização;
– solicitar o empenho do vigário forâneo a fim de que “os livros paroquiais sejam redigidos de modo cuidadoso e conservados no devido modo” 16.
2.5. Assunção de pessoal qualificado
As autoridades competentes devem confiar a direcção dos arquivos eclesiásticos a pessoas particularmcnte qualificadas. Dever-se-á fazer uma escolha cuidadosa para que se incremente este tipo de serviço eclesial, que deverá ser assumido, na medida do possível, de modo estável por pessoas especializadas e capazes.
A importância deste serviço deve ser considerada quer em referência ao arquivo histórico, quer ao arquivo corrente em conformidade com o cân. 491 §§ 1 e 2;
– o responsável pelo arquivo histórico diocesano pode realizar um trabalho de assistência nos arquivos existentes na diocese, segundo as oportunas directrizes do Ordinário, e pode coordenar as actividades culturais promovidas pelos vários arquivos;
– o responsável pelo arquivo corrente, além de garantir o oportuno carácter confidencial do material recolhido, pode favorecer a verificação das várias iniciativas empreendidas através duma organização que facilite a consultação e a pesquisa.
De importância fundamental é, portanto, a formação dos operadores, que a vários níveis estão activos no campo arquivístico. A longo prazo, este serviço contribui para o desenvolvimento duma base cultural, hoje mais do que nunca necessária ao trabalho pastoral. Para tanto, há diversos anos funciona de modo louvável a ESCOLA VATICANA DE PALEOGRAFIA, DIPLOMÁTICA E ARQUIVÍSTICA instituída junto do ARQUIVO SECRETO VATICANO. Recentemente, esta PONTIFÍCIA COMISSÃO PARA OS BENS CULTURAIS DA IGREJA patrocionou a instituição do Curso Superior para os Bens Culturais da Igreja junto da PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE GREGORIANA de Roma. Também as Associações arquivísticas eclesiásticas devem ser promovidas em todos os Países porque a sua obra, lá onde são activas, é meritória pela actualização dos arquivistas e a tutela do património.
A observância das múltiplas exigências arquivísticas depende do profissionalismo dos operadores, aos quais os Bispos diocesanos confiam a administração e a direcção dos arquivos, e é consequente ao seu sentido de responsabilidade para com a Igreja e a cultura.
A competência técnica e o sentido do dever são as condições indispensáveis para o respeito da integridade dos fundos, a aquisição de novos escritos provenientes também de outros arquivos, a ordem do material depositado, a sua pesquisa e a eventual eliminação de documentos conforme a uma regulamentação que regule a passagem do arquivo corrente para o arquivo histórico.
3. A CONSERVAÇÃO DOS ESCRITOS DA MEMÓRIA
A preocupação primeira em relação aos arquivos das lgrejas particulares é, certamente, a de conservar um tão precioso património com diligência a fim de o transmitir integralmente aos vindouros. Na organização dos arquivos é preciso seguir o critério da unidade na distinção. A distinção do material recolhido evidencia, com efeito, a actividade minuciosa da comunidade eclesial, e ao mesmo tempo, refere a sua substancial unidade de intentos.
A conservação é uma exigência de justiça que nós hoje devemos àqueles dos quais somos os herdeiros. O desinteresse é uma ofensa aos nossos antepassados e à sua memória. Portanto, é imperioso que os Bispos diocesanos observem as disposições canónicas a respeito disso 17.
Também as jovens igrejas são chamadas a documentar progressivamente a sua actividade pastoral segundo a normativa canónica, a fim de transmitir a memória da primeira evangelização no esforço de inculturação da fé numa determinada comunidade.
3.1. Irrepetibilidade do material documental
Tenha-se na justa conta que os arquivos, diferentemente das bibliotecas, recolhem quase sempre documentos únicos no seu género, que constituem as fontes principais da pesquisa histórica, porque referem directamente os eventos e os actos das pessoas. A sua perda ou a sua destruição, invalidando a investigação objectiva sobre os factos e impedindo a aquisição das experiências precedentes, compromete a transmissão dos valores culturais e religiosos.
A conservação dos pergaminhos, dos escritos e do material informativo deve, portanto, ser garantida por uma conveniente normativa sobre o uso dos arquivos, por uma eficiente inventariação, pela eventual restauração conservativa, pela idoneidade e pela segurança dos ambientes. Além da conservação convém promover a recuperação de materiais dispersos em sedes impróprias, e é oportuno coordenar-se com os outros arquivos de entidades eclesiásticas não sujeitas à autoridade do Bispo diocesano, em ordem a uma acção concordada.
A própria escolha do material em papel ou de outro tipo deve ser atentamente avaliada, a fim de garantir a duração em determinadas condições climáticas e ambientais. Tais operações são pressupostos indispensáveis para uma correcta gestão dos arquivos.
3.2. Espaços convenientes
A preocupação dos responsáveis concretiza-se por isso no empenho de dispor espaços convenientes onde depositar os materiais. Os locais devem responder às fundamentais normas de higiene (iluminação, climatização, grau de humidade e de temperatura, etc. ), de segurança (dotados de sistemas contra incêndio e antiroubo, etc.) e de vigilância (serviço de vigilância durante a consulta, controlos periódicos, etc. ).
Na estruturação dos arquivos devem ser predispostos locais para o depósito e salas apropriadas para a consulta dos documentos, valendo-se possivelmente dos múltiplos instrumentos técnicos e informáticos para a pesquisa e a leitura. Naturalmente, essa organização é proporcionada às diversas categorias de arquivos eclesiásticos e ao tipo de consulta que se quer oferecer.
3.3. Inventariação e informatização
Para a conservação dos arquivos das Igrejas particulares é portanto para desejar que sejam seguidos os critérios da melhor tradição o arquivística e os da técnica aplicada (ficheiro electrónico, ligações em rede e internet, microfilmes, reprodução através de scanner dos documentos, discos ópticos, etc.), e por isso é preciso aplicar-se em encontrar fundos extraordinários, para a fase da primeira informatização do material, e fundos ordinários para o trabalho corrente de introduções dos dados, também através do pedido de providências de entidades nacionais e internacionais.
A compilação do inventário é certamentc o acto fundamental para a consulta, do patrimonio arquivístico, como aliás dispõem os cânn. 486 § 3 e 491 § 1. Ele consentirá a produção dos outros instrumentos úteis à fácil consulta do material (catálogos, repertórios, resumos, índices) e permitirá a utilização dos modernos sistemas informáticos, a fim de ligar as várias sedes arquivísticas e favorecer uma investigação em ampla escala. Valendo-se das novas tecnologias, é além disso oportuno conservar noutro lugar protegido a cópia dos documentos de valor relevante, a fim de não perder toda a documentação em caso de sinistro.
4. A VALORIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO
DOCUMENTAL PARAA CULTURA HISTÓRICA E PARAA MISSÃO DA IGREJA
A documentação contida nos arquivos é um património que é conservado para ser transmitido e utilizado. A sua consulta, com efeito, consente a reconstrução histórica duma determinada Igreja particular e da sociedade a ela contextual. Nesse sentido, os escritos da memória são um bem cultural vivo, porque oferecido como instrução da comunidade eclesial e civil ao longo das gerações e para o qual se torna imperiosa uma conservação diligente.
4.1. Destino universal do património arquivístico
Os arquivos, enquanto bens culturais, são oferecidos antes de mais ao usufruto da comunidade que os produziu, mas com o passar do tempo assumem um destino universal, tornando-se património da humanidade inteira. Com efeito, o material depositado não pode ser impedido àqueles que podem tirar proveito dele, a fim de conhecer a história do povo cristão, as suas vicissitudes religiosas, civis, culturais e sociais.
Os responsáveis devem fazer com que o usufruto dos arquivos eclesiásticos possa ser facilitado não só aos interessados que a ele têm direito, mas também ao mais amplo círculo de estudiosos, sem preconceitos ideológicos e religiosos, como se dá na melhor tradição eclesiástica, salvaguardando as oportunas normas de tutela, dadas pelo direito universal e pelas normas do Bispo diocesano. Tais perspectivas de abertura desinteressada, de acolhimento benévolo e de serviço competente devem ser tomadas em alta consideração, a fim de que a memória histórica da Igreja seja oferecida à colectividade inteira.
4.2. Regulamentação dos arquivos
Dado o interesse universal que devem suscitar os arquivos, é oportuno que cada um dos regulamentos seja tornado público e que as normas sejam, no limite do possivel, harmonizadas com as dos Estados, como que a sublinhar o serviço comum que os arquivos são destinados a prestar. Além da regulamentação do arquivo diocesano é oportuno estabelecer directrizes comuns também para o uso dos arquivos paroquiais em cumprimento das normas canónicas, e analogamente a estes dois outros arquivos, a fim de evitar inobservâncias no registo dos dados ou na colecta dos documentos. Tal coordenação pode favorecer a eventual informatização dos dados a nível diocesano, em ordem a ter uma oportuna visão estatística sobre a inteira acção pastoral duma determinada Igreja particular. É oportuno harmonizar a mencionada regulamentação também com arquivos de outras entidades eclesiásticas, especialmente as dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica no respeito das legítimas autonomias.
É imperioso, porém, que sejam postos limites à consulta dos fascículos pessoais e de outras correspondências, que pela sua natureza são reservados ou que os responsáveis julgarem tais 18. Não nos referimos ao arquivo secreto da cúria diocesana, a respeito do qual tratam os cânn. 489-490, mas em geral aos arquivos eclesiásticos. A propósito disso algumas metodologias arquivísticas sugerem que os escritos reservados sejam marcados com oportunas indicações nos inventários a que podem aceder os pesquisadores.
4.3. Contextura do material documental
Para o trabalho de pesquisa e para uma melhor valorização dos documentos conservados nos arquivos, revelam-se mais do nunca úteis quer instrumentos propriamente arquivísticos, de que se falou, quer aqueles subsídios bibliográficos que são vantajosos ao estudo dos documentos enquanto lhe fornecem o contexto histórico. Para isto, não deveriam faltar junto do arquivo histórico diocesano, obras especializadas para o conhecimento histórico-jurídico das instituições eclesiásticas e obras gerais que ilustram a história da Igreja. Com efeito, todo o documento deve ser inserido no seu contexto, do qual recebe pleno valor histórico. Nesse sentido resultam também mais evidentes as contribuições da pesquisa, pois entram em relação com os dados precedentemente adquiridos e conhecidos.
Estes subsídios, juntamente com os instrumentos para a leitura dos documentos antigos e para a sua eventual reprodução em cópia, contribuirão para melhor usufruto e utilização do património arquivístico.
4.4. Formação cultural através do depósito documental
Através do depósito documental a Igreja comunica a própria história que se desenvolve no decurso dos séculos, insere-se nas múltiplas culturas sujeitando-se aos seus condicionamentos e ao mesmo tempo transformando-os. Também os arquivos eclesiásticos começam, então, a fazer parte do património duma civilização e têm uma imprescindível validade informativa e formativa, razão por que podem tornar-se importantes centros culturais.
Nesta perspectiva aqueles que trabalham nos arquivos eclesiásticos contribuem eficazmente para o desenvolvimento cultural, pois oferecem a sua competência científica fazendo captar a natureza e o significado dos documentos que põem à disposição dos pesquisadores. Quando depois prestam o seu serviço em benefício de estudiosos estrangeiros, contribuem de modo concreto para fazer aproximar os agentes culturais de diversas nacionalidades e para fazer compreender as diferentes culturas. Eles, por isso, colocam-se “entre os artífices da paz e da unidade entre os homens” 19.
4.5. Promoção da pesquisa histórica
É para desejar que a Igreja se faça promotora da organização arquivística, motivando a sua importância cultural especialmente onde ainda não existe uma conveniente sensibilização a respeito disso junto das entidades civis. Nesse sentido, é oportuno coordenar entre si todos os arquivos eclesiásticos presentes numa Igreja particular, tanto os submetidos ao Bispo diocesano, como os de outra competência. Este património de memória pode tornar-se, de facto, um ponto de referência e um lugar de encontro, inspirando iniciativas culturais e pesquisas históricas, em colaboração com os institutos especializados das universidades eclesiásticas, católicas, livres e estatais. De grande utilidade é, além disso, a relação entre arquivos e centros de documentação.
A partir do momento que os arquivos podem ser sedes privilegiadas de encontros de estudo, de congressos sobre as tradições religiosas e pastorais da comunidade cristã, de exposições didácticas e exposições documentais, eles são deputados a assumir o papel duma agência cultural não só para os especialistas do sector, mas também para estudantes e jovens oportunamente preparados. Promovendo depois edições de fundos e colectas de estudos, esses austeros tabernáculos da memória, vêm exprimir a sua plena vitalidade, inserem-se nos processos criativos da cultura e na missão pastoral da Igreja local.
5. CONCLUSÃO
Tratando esta nossa carta do património arquivístico das comunidades eclesiais, estamos certos de ter suscitado em Vossa Eminência (Excelência) recordações e sentimentos profundos sobre as vicissitudes históricas da Igreja de que é pastoralmente responsável.
O venerado Pontífice Paulo VI “está convicto de que a cultura histórica é necessária, parte do génio, da índole, da necessidade, da própria vida católica, a qual possui uma tradição, é coerente e efectua nos séculos um desígnio e, bem se pode dizer, um mistério. É Cristo que actua no tempo e que escreve, precisamente Ele, a sua história, de maneira que os nossos pedaços de papel são ecos e vestígios desta passagem da Igreja, ou melhor, da passagem do Senhor Jesus no mundo. E eis que, então, o ter o culto destes papéis, dos documentos, dos arquivos, quer dizer, por repercussão, ter o culto de Cristo, ter o sentido da Igreja, dar a nós mesmos e dar a quem vier a história da passagem desta fase do transitus Domini no mundo” 20.
Conservar, pois, este património para o transmitir às gerações futuras é um empenho notável, como o de o valorizar oportunamente para a cultura histórica e para a missão da Igreja. Por este motivo a Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja considerou conveniente expor estas indicações, a fim de favorecer a formulação de programas orgânicos.
Sentir-nos-emos alegres e gratos ao receber uma resposta às considerações que comunicámos e às propostas que indicámos, de maneira a desenvolver um diálogo fecundo, que fornecerá ulteriores ocasiões para a nossa acção sintonizada com as situações das lgrejas particulares e nos permitirá expor iniciativas válidas, comprovadas pela experiência de cada um.
Iniciativas desse género, tais como a conservação e a valorização dos bens culturais, requerem pessoas e tempo. Também no que se refere aos arquivos é necessário que se desenvolva uma atitude pastoral, considerando que a sua conservação prepara futuros desenvolvimentos culturais e a sua valorização pode constituir um válido encontro com a cultura hodierna e oferecer ocasiões para participar no progresso integral da humanidade.
O património arquivístico, como bem eclesiástico 21, entrando nas finalidades próprias desses bens da Igreja 22, pode oferecer uma válida contribuição à nova evangelização.
Usufruindo adequadamente de todos os bens culturais produzidos pelas comunidades eclesiais é possível, com efeito, continuar e incrementar o diálogo dos cristãos com o mundo contemporâneo. O Santo Padre João Paulo II, falando aos Membros da Primeira Assembleia Plenária da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da lgreja, reafirmou “a importância dos bens culturais na expressão e na inculturação da fé e no diálogo da lgreja com a humanidade [...]. Entre religião e arte, entre religião e cultura corre uma relação muito estreita [...]. E a todos é conhecida a contribuição que ao sentido religioso trazem as realizações artísticas e culturais, que a fé das gerações cristãs foi acumulando no decurso dos séculos” 23.
Ao apresentar votos fraternos para que o Seu trabalho pastoral seja fecundo também de resultados culturais, exprimo a minha mais deferente e cordial saudação, enquanto me confirmo
de Vossa Eminência (Excelência) Reverendíssima dev.mo em J. C.
Cidade do Vaticano, 2 de Fevereiro de 1997