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Homilia

Senhor Núncio Apostólico,
Meus Irmãos no Episcopado,
Caríssimo Eleito para o Episcopado, D. Joaquim Dionísio,
Meus Irmãos no Sacerdócio Ordenado e no Diaconado,
Caríssimos Fiéis Leigos, meus Irmãos no Batismo, pequenos e grandes, que hoje encheis esta Casa de Deus, louvando a Deus (Ap 19,5), que de nós hoje também se recorda, e sobre nós põe ou impõe a sua mão e a sua Bênção (Sl 115,13), a sua Eleição, a sua Ordenação. E permiti, Irmãos e Irmãs, que estenda o meu afeto a estes passarinhos que Hoje quiseram também vir cantar à nossa Catedral, encontrando nela um abrigo seguro, como recorda o Sl 84,4.


1. Rejubilemos nós também, pois verdadeiramente Deus visitou o seu povo aqui reunido, e de tal modo nos amou que nos deu o seu Filho Monogénito (Jo 3,16), que hoje saiu de casa e desceu à praia, e subiu à cátedra daquela Barca, para nos contar a parábola da semente, toda a parábola da semente, pois não nos é permitido parti-la e servir dela só um bocadinho. Na verdade, a parábola estende-se por 23 versículos, e articula-se em três partes inseparáveis e que emprestam sentido umas às outras, e são: 1) a parábola da semente propriamente dita contada por Jesus (v. 1-9); 2) a pergunta em tom recriminatória dos discípulos: «Por que lhes falas em parábolas?», e a resposta dada por Jesus (v. 10-17); 3) a explicação ou descodificação da parábola da semente feita por Jesus aos seus discípulos (v. 18-23).

2. Note-se que só a parábola da semente é apresentada ao povo, tratando-se de uma apresentação extremamente simples e sem qualquer acicate propriamente religioso: simplesmente vamos vendo a semente a cair sucessivamente no caminho (1), no terreno pedregoso (2), entre os espinhos (3) e, finalmente, na terra boa (4). Analisando o mapa das diferentes situações, salta à vista que as três primeiras estão à partida votadas ao fracasso, ficando o sucesso reservado apenas para a quarta e última, dentro do conhecido modelo retórico “3 + 1” recorrente na Bíblia. As coisas parecem tão óbvias, que Jesus termina, sentenciando: «Quem tem ouvidos, oiça!».

3. É fácil também verificar que as duas partes seguintes, a segunda (v. 10-17) e a terceira (v. 18-23), se passam entre Jesus e os seus discípulos, a sós, sem a presença do povo. São, portanto, uma lição para os discípulos, para aqueles discípulos e para estes discípulos, também para nós. Abeiremo-nos já da terceira parte, aquela em que Jesus explica, descodificando perante os seus discípulos, o que ficou escondido e por dizer na parábola da semente. E fá-lo com duas acessíveis equações: 1) a semente não é uma semente qualquer; é a Palavra de Deus; 2) o terreno não são os campos que semeamos; são as pessoas, que acolhem ou não acolhem a Palavra de Deus.

4. Mas é na segunda parte que está a chave de compreensão da parábola da semente. Lembremo-nos que esta segunda parte abre com a pergunta em tom recriminatório dos discípulos: «Por que lhes falas em parábolas?» (v. 10), que é como quem diz: “Por que é que não lhes falas às claras, abertamente, coisa que se entenda logo, e que gere um grande movimento messiânico à tua volta?”. Jesus explica então devagarinho aos seus discípulos que a sua missão que recebeu do Pai não visa o triunfo fácil e rápido, e, se fala ao povo em parábolas, não é para entreter o povo, mas para que todos entendam a maneira de fazer de Deus. Jesus explica então aos seus discípulos que a sua missão não visa o triunfo fácil e rápido, e, se fala em parábolas, o faz à imagem de Isaías, a quem recorre para mostrar a estranha missão que lhe é confiada e que se destina, contra todas as expectativas, a fazer com que o povo «veja sem ver e oiça sem ouvir e sem entender, e não se converta e não seja curado» (Mt 13,13-15; cf. Is 6,9-10). Perante tão estranha missão que lhe é confiada, aparentemente votada ao fracasso completo, Isaías pergunta: «Até quando, Senhor?». E o Senhor responde: «Até que fiquem desertas as cidades, sem habitantes, e as casas sem gente, e a terra deserta e desolada, e o Senhor remova para longe a gente, e muita solidão no interior do país. E se ficar nele ainda um décimo, será por sua vez lançado ao fogo, como o carvalho e o terebinto que são abatidos, ficando lá apenas um toco (matstsebet). Semente santa (zera‘ qodesh é esse toco (matstsebet)”» (Is 6,11-13). Aquele toco seco, que é uma Semente santa, não significa o abandono de Deus que desbasta a floresta, e mostra um povo dizimado, exilado, desclassificado. É, antes, um sinal de esperança, pois Deus não semeia à superfície, mas em fundura. Ensina bem S. Paulo que «não somos nós que transportamos a raiz, mas é a raiz que nos transporta a nós» (cf. Rm 11,18), e também: «quando somos fracos, então é que somos fortes!» (cf. 2 Cor 12,10). Bem se vê, ou pode ver, caríssimos Irmãos e Irmãs, caríssimo Eleito, que não é a nossa energia e a nossa alegria que nos levanta e nos salva. Teremos de aprender com Isaías e Jesus.

5. Portanto, a abrir a segunda parte, os discípulos recriminaram Jesus por falar ao povo em parábolas, que não davam os resultados por eles esperados. Jesus ensina-lhes, a eles, àqueles discípulos, e a nós, que o sucesso, o populismo, as estatísticas e a pressa não devem ser preocupação nossa. Já na parábola exposta na primeira parte, Jesus tinha deixado claro, mesmo sem entrar no aspeto religioso, que a semente que cresce depressa, seca depressa (v. 5-6). Única preocupação nossa, única e relevante missão nossa, caríssimos Irmãos e Irmãs, caríssimo Eleito, deve ser deixar tudo nas mãos de Deus, ao sabor de Deus, ao ritmo de Deus. É de Deus a plantação (1 Cor 3,9). Só Deus pode fazer brotar vida nova e pão novo de um toco seco! É esta a verdadeira parábola da Palavra e do Profeta, profeta desclassificado, porque é «como uma raiz que brota de uma terra seca» (Is 53,2b), e de Jesus, igualmente desclassificado, porque abandonado no toco seco daquela Cruz! Como tudo faz sentido. Como vem à luz, nesta semente pequenina e neste toco seco, na Palavra que desponta de mansinho, o inteiro caudal profético e bíblico. Na verdade, todo o discurso profético e bíblico põe a nu os ossos calcinados e o corpo doente, mirrado, definhado e desfigurado de quem não escuta a Palavra de Deus, mostrando também, todavia, em contraponto, o milagre do novo vigor que só a Palavra fatiada de Deus pode produzir nos caminhos pesados, empedrados e asfaltados da nossa vida (cf. Am 8,12; Ez 37,1-14).

6. A Parábola da semente é a mãe de todas as parábolas. A parábola da semente caminha lado-a-lado com a parábola de Jesus, que é Jesus. De forma clarividente, Jesus afirma no Evangelho de João: «Se o grão de trigo, que cai na terra, não morrer, fica só; mas se morrer dará muito fruto» (Jo 12,24). Vê-se bem que este dito é uma extraordinária leitura condensada da parábola da semente. Lado-a-lado, a semente e Jesus! Paralelismo perfeito. Uma vez caída à terra, a semente dará o grão e depois o pão. Caída à terra, a semente morre para nascer de outra maneira. É a Paixão. Da semente à Paixão e ao Pão: é todo o processo ou parábola de Jesus a passar diante dos nossos olhos atónitos! Como se vê, a parábola da semente é decisiva para entender a parábola de Jesus. E não espanta que, no texto de Marcos, Jesus questione de forma contundente os seus discípulos a propósito da sua não compreensão da parábola da semente: «Não entendeis esta parábola? E como entendereis todas as parábolas?» (Mc 4,13). Fica tudo transparente: se não entendemos a semente, que traduz o início do processo, como entenderemos o inteiro processo? Como acolheremos Jesus? Como leremos a Cruz?

7. Caríssimos Irmãos e Irmãs, caríssimo Eleito, a nós foi dado conhecer o mistério de Jesus Cristo! Foi-nos dado. Nada temos a reter. Temos tudo a Dar. Não é, portanto, obra nossa. Nunca será obra nossa. Nem à nossa maneira. Nem a semente é nossa. Nem Jesus é nosso. Somos nós que somos dele, não para o tentar pôr do nosso lado e adaptá-lo à nossa metodologia. É Ele que sabe o caminho, que mostra o caminho, que faz o caminho, caminhando connosco. E há tanto caminho a fazer com Jesus. Que o Senhor mova as nossas mentes e os nossos pés, e que encha das suas bênçãos o nosso amado Irmão, D. Joaquim Dionísio, que Deus elegeu para o ministério Episcopal. Amém.

Lamego, Igreja Catedral, Homilia na Ordenação Episcopal de D. Joaquim Dionísio, 16 de julho de 2023

+ António, Bispo de Lamego

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