A JMJ 2023 foi, por certo, um dos acontecimentos mais importantes em Portugal, para os jovens e para a Igreja, agregando em Lisboa, entre 1 e 6 de agosto, cerca de um milhão e meio de pessoas. Para preparar a Jornada Mundial da Juventude, foram criados comités. Em cada diocese o COD (Comité Organizador Diocesano) que por sua vez promoveu e gerou os COP’s (Comités Organizadores Paroquiais), mobilizando paróquias e grupos de jovens, recentrando a vida das comunidades à volta deste acontecimento, com a preparação, tempos de oração e de reflexão, eventos juvenis, procurando em tudo a participação de todos.
VL – No final da Jornada Mundial da Juventude, no Panamá, em janeiro de 2019, foi anunciada a seguinte para Lisboa, a realizar em 2022, adiada depois para 2023, devido á pandemia.
No momento em que soubeste que a JMJ se ia realizar em Portugal, que sentimentos, apreensões, pensamentos te surgiram?
Padre Luís Rafael – Quando foi anunciado que Portugal iria organizar a JMJ fiquei muito feliz! Já tinha participado na Jornada de Cracóvia e sabia que era uma oportunidade única na vida. Desconfiava que seria uma grande aventura, mas admito que não imaginava metade do caminho que tivemos de percorrer. Recordo-me de sentir que os nossos jovens ficaram muito motivados e isso deixou-me com muita vontade de ajudar naquilo que fosse possível.
VL – Como foram preparados e projetados os passos seguintes: organização, propostas e iniciativas que envolvessem Lisboa, mas também o país?
Padre Luís Rafael – A preparação da JMJ estendeu-se por vários anos e surgiram muitos imprevistos: o maior de todos foi a pandemia que nos obrigou a repensar muitas coisas. Enquanto coordenador do nosso COD sempre senti que não se pretendia que o dinamismo ficasse focado em Lisboa… o COL queria ouvir-nos, implicar-nos, desafiar-nos. Apesar de sermos um país pequeno, cada diocese tem as suas especificidades, fomos concordando numas coisas e debatendo outras, partilhamos problemas e procuramos soluções em conjunto. Às vezes passava a ideia de que a JMJ não dizia respeito a todo o país, mas não foi isso que senti ao longo do processo de organização. Louvo a capacidade que tiveram de nos envolver em várias decisões e de se preocuparem connosco. A nível nacional, vivemos uma experiência de unidade, respeito e amizade.
VL – Com a chegada da pandemia, com os diversos confinamentos, a data da JMJ foi adiada para o verão de 2023. Como foi lidar, a nível nacional, diocesano e paroquial, com o distanciamento da data? Quais foram as maiores preocupações dos organizadores?
Padre Luís Rafael – Nessa fase, o foco da nossa Equipa esteve direcionado para a preparação Espiritual dos Jovens. Sabendo que ainda não era viável preparar coisas mais práticas, aproveitamos para insistir nos encontros RISE UP. Durante quase 2 anos fomos aprofundando as temáticas propostas pela Equipa Nacional e adaptando o que era necessário à nossa realidade diocesana. Foi um tempo muito proveitoso para refletir sobre os textos bíblicos, escutar testemunhos e descobrir pormenores sobre a Jornada Mundial da Juventude.
VL – Que atividades ou eventos foram uma mais-valia para envolver os jovens e as comunidades? Olhando para trás, como avalias: foi feito tudo o que era necessário ou possível para mobilizar jovens e menos jovens?
Padre Luís Rafael – A nossa Equipa tem consciência que não fez tudo e não era suposto fazer tudo. Na complexidade das nossas vidas, entendo que cada um deu o seu melhor para que fosse possível mobilizar os nossos jovens e envolver as comunidades. Às vezes sentíamos a impotência, já não dava para fazermos mais. Outras vezes ficávamos entusiasmados ao ver que a JMJ estava a ser um pretexto que motivava muitos jovens a participar nas nossas atividades. Há momentos que nunca vamos esquecer, nomeadamente aquele dia 20 de fevereiro de 2022, na Catedral de Lamego. A alegria dos jovens, a beleza dos cânticos, as cores das bandeiras, a expectativa que se sentia no ar…
VL – Um dos acontecimentos mais envolventes foi a peregrinação dos símbolos da JMJ, a Cruz e o Ícone de Nossa Senhora. Correspondeu às expectativas?
Padre Luís Rafael – A Peregrinação dos símbolos da JMJ superou as nossas expectativas! Julgo que ainda se lembram que foram 24Horas, todos os dias, durante um mês… cada momento era para ser aproveitado. Sinto que foi o mês mais feliz da minha vida! Todos os dias eramos surpreendidos por comunidades em festa, por abraços sinceros, por lágrimas que expressavam o que as palavras não diziam. A determinada altura já andávamos ao “Deus dará”, sem saber onde íamos comer ou se íamos conseguir dormir… e Deus deu!
VL – A Jornada Mundial da Juventude é antecedida das Pré Jornadas ou Dias nas Dioceses (DnD). Para quem já participou, esta semana em casa de famílias, é quase tão importante como a Jornada Mundial, permitindo experiências variadas, para quem vem e para quem está, para os jovens e para as famílias acolhedoras.
Como foi preparar esta semana? Passos, receios, imprevistos, dificuldades?
Padre Luís Rafael – Nós sabíamos que os Dias Nas Dioceses não podiam ser desperdiçados. Reconheço que surgiram muitas dificuldades, principalmente porque não sabíamos números concretos. Pouco a pouco tudo se resolveu. Tentando corresponder às expectativas dos Peregrinos Estrangeiros e conhecendo bem a nossa realidade diocesana, foi construído um plano que espelhasse a nossa espiritualidade, a nossa cultura, a nossa gastronomia, etc. Queríamos que fosse uma experiência positiva para eles e para nós, um encontro de irmãos na fé, apesar de culturalmente diferentes.
VL – Como acompanhaste por dentro as Pré Jornadas, na sua organização e na vivência diocesana e paroquial, que marcas poderão ter deixado os jovens estrangeiros nos nossos jovens e nas nossas comunidades?
Padre Luís Rafael – O feedback que tenho recebido é muito positivo. As comunidades ficaram admiradas com a profundidade espiritual dos jovens que acolheram e a maneira como eles viviam a sua fé de uma forma tão autêntica. Talvez seja essa a marca mais forte, o testemunho que eles deixaram foi tão sentido que as pessoas tinham gosto em partilhar: “Sr. Padre, eles rezam antes de comer!”. A par disto, é de salientar a abertura que tiveram para viver tudo o que tínhamos preparado para eles.
VL – Depois de tantas iniciativas, momentos de oração e encontros, reuniões presenciais e online, chegou a JMJ com toda a envolvência nos meios de comunicação social e nas redes sociais. A diocese de Lamego esteve bem representada? Era possível levar mais jovens?
Padre Luís Rafael – Acredito que o COD e os COPs deram o seu melhor para mobilizar a participação do máximo de jovens na JMJ… no entanto, temos consciência que não conseguimos estar representados com “todos, todos, todos”. Os números não dizem tudo, mas, se tivermos em conta o número de jovens que reside na nossa Diocese e nas outras Dioceses do nosso país, parece-me que a participação de mais de 700 jovens da nossa Diocese foi um número que não desapontou. Basta pensarmos nos números de participantes nas últimas Jornadas Diocesanas da Juventude para percebermos que a juventude envolvida na dinâmica juvenil diocesana foi quase toda a Lisboa e, felizmente, levaram mais alguns de arrasto.
VL – Do que viveste pessoalmente e do que ouviste da parte dos jovens, quais os momentos mais importantes da Jornada Mundial da Juventude, naquela primeira semana de agosto?
Padre Luís Rafael – A experiência da JMJ é sempre um confronto com a beleza da diversidade: tantos jovens, tantos países, tantas maneiras de expressar a mesma fé em Jesus. É claro que os jovens destacam muito a emoção de estar perto do Papa Francisco e a mensagem que ele passou nas várias celebrações.
VL – O íntimo do coração só é perscrutável por Deus. No entanto, em teu entender, a JMJ contribuiu ou está a contribuir para aprofundar a fé e para a consciência de pertença à Igreja? Há desejo/propósito de os jovens se comprometeram mais nas comunidades e na transformação da sociedade ao jeito de Jesus?
Padre Luís Rafael – Penso que não podemos cair na tentação de esperar frutos imediatos e resultados que se concretizem num compromisso deslumbrante. Deus trabalhará no coração de cada um e é inegável que alguns jovens deram uma volta nas suas vidas e estão dispostos a continuar este caminho em Igreja.
VL – A JMJ é um ponto de chegada, mobilizando pessoas, renovando estruturas, envolvendo a sociedade no seu todo, pela presença do Papa, de milhares de jovens, e pelos muitos acontecimentos propostos. Mas, tão ou mais importante que a Jornada em si mesma, são os frutos que poderá suscitar. É possível vislumbrar já alguns frutos? Será possível continuar a contar com todos os jovens que foram à Jornada para dinamizar a vida das nossas comunidades?
Padre Luís Rafael – Quem esteve envolvido na preparação da JMJ e dos DND sabe que o objetivo era claro: proporcionar-lhes um encontro com Cristo Vivo, uma experiência positiva de ser Igreja, uma descoberta pessoal e o fortalecimento de laços fraternos. Há muitos que já manifestam esse desejo de continuar a aprofundar a fé e há outros que precisam de um acompanhamento mais personalizado… também há aqueles que se vão pirar, mas acredito que alguma coisa boa ficará lá semeada e os frutos podem surgir quando menos esperamos. Se as comunidades não desistirem dos jovens, eles não desistirão das comunidades! Contar com eles ou não contar com eles poderá depender muito da nossa paciência e do nosso testemunho.
VL – Neste âmbito, para aferir os frutos ou para reforçar o empenho dos jovens, inseridos em grupos ou no serviço nas paróquias, que atividades mais relevantes propondes, como Departamento Diocesano da Pastoral dos Jovens?
Padre Luís Rafael – A Equipa do DDPJ, no Plano de atividades que propõe para este ano pastoral, pensou que seria importante proporcionar momentos de encontro para reviver a experiência dos DND e da JMJ. É claro que o objetivo não passa por repetir as coisas tal e qual… mas queremos proporcionar momentos que nos ajudem a saborear tudo aquilo que vivemos nos últimos anos e desejamos aprofundar o conteúdo das mensagens transmitidas pelo Papa Francisco. Continuando a caminhar uns com os outros, tentaremos congregar os jovens “todos, todos, todos” em algumas atividades pensadas com o ritmo da festa e a profundidade da fé. Por outro lado, também lançamos propostas para os Grupos Paroquiais porque sentimos que a Pastoral Diocesana só funcionará em condições se existir dinâmica dos jovens nas suas comunidades: é preciso que eles se juntem para fazer missão, para estar uns com os outros, para rezar, para envolver a comunidade. Terminaremos o ano pastoral fazendo uma Peregrinação França, passando pelo Santuário de Nossa Senhora de Lourdes e sendo acolhidos nas Famílias da Diocese de Rouen.
VL – Olhas para o futuro da Igreja, especialmente da Igreja que vive em Lamego, neste chão diocesano, com esperança?
Padre Luís Rafael – Sim, sem dúvida! A Igreja que peregrina na nossa Diocese de Lamego tem muito potencial. Nem sempre damos valor àquilo que temos e ficamos aprisionados nas dificuldades, que sabemos que são muitas. Eu tenho esperança nesta Igreja Diocesana! O que se viveu aqui nos últimos anos é a prova de que podemos fazer grandes omeletes com poucos ovos. Conheci pessoas com tanto amor a Deus, com tanta boa-vontade, com tanto talento. Às vezes só precisamos que Deus nos dê um empurrão para darmos a volta à situação.
VL – Que contributos poderão sair do Sínodo dos Bispos para a pastoral dos jovens? Jovens, Igreja e Sínodo tocam-se? Interagem? Jesus Cristo, sim! Igreja, talvez? Este Sínodo está também a chegar aos jovens?
Padre Luís Rafael – Penso que o grande contributo do Sínodo já se pode ver: estamos a ganhar a consciência comunitária de caminhar em conjunto, não ter receio de falar e ouvir. Ao longo da preparação da JMJ já se viveu muito este espírito sinodal e sentimos que não podia ser de outra forma. Não creio que, no geral, os jovens e as comunidades estejam muito conscientes daquilo que se passou em Roma no passado mês de outubro e o caminho que se abre à nossa frente… mas isso não invalida a pertinência do mesmo e aquilo que se vai vivendo a nível local, procurando envolver a todos na descoberta dos sonhos de Deus para a Igreja. É um processo!
VL – O nosso Bispo, como outros bispos e outras dioceses, houve por bem projetar o novo ano pastoral (2023-2024) em âmbito de pós-JMJ. Para tal, D. António Couto, escolheu o lema “Recolhei os pedaços que sobraram” (Jo 6, 12). Como é que esta temática pode ser aglutinadora para as diferentes iniciativas do Departamento e como é que pode suscitar a sinodalidade da Igreja, no caso concreto, a sinodalidade na Igreja diocesana?
Padre Luís Rafael – O texto Bíblico em que podemos ler esse lema é muito oportuno porque nos permite olhar para trás e nos aponta para a frente. Olhando para aquilo que vivemos na preparação da JMJ, encontramos a multidão que é preciso acolher e saciar, encontramos a falta de recursos e meios, encontramos as nossas desculpas e os nossos bocadinhos que parecem insignificantes, encontramos Jesus que transforma o pouco em muito, a divisão em multiplicação, o chão vazio em mesa posta. Depois disto: é hora de recolher, porque a abundância que brota de Deus nunca se esgota em lanches ajantarados ou eventos passados. O Departamento dos Jovens, consciente da missão que lhe foi dada, quer assumir este lema pastoral como um GPS que não nos meterá em atalhos.
VL – É possível recolher os pedaços da JMJ, dos tempos de preparação e vivência, e multiplicar a abundância de Jesus Cristo nas nossas vidas? Ainda há lugar para a ação evangelizadora da Igreja, a começar pelos jovens?
Padre Luís Rafael – Neste momento, a pior coisa que nos podia acontecer era fingirmos que não aconteceu nada ou pensarmos que não há nada para recolher. Sabemos que as dificuldades estão a surgir e a desmotivação já pode ter batido à nossa porta… mas, não é hora para sofrer de memória curta ou de síndrome de lamúria permanente! Há tantos pedaços para recolher! Estou grato a todos aqueles que deram um pouquinho (ou imenso) de si para que Jesus se tornasse presente! Estou grato a Deus pelas casas que se abriram para acolher, pelos jovens que se aproximaram para ajudar, pelos sacerdotes que se dedicaram sem parar, pelas entidades que se envolveram, pelos Peregrinos que nos escolheram, pelos desconhecidos que se implicaram na preparação e por aqueles que participaram em tanta reunião. Sinto que tamanha gratidão não é um pedacinho, mas um pedação! A cestaria está pronta, vamos à missão!
in Voz de Lamego, ano 94/03, n.º 4731, de 22 de novembro de 2023.