As recoleções mensais do clero, deste ano pastoral, tiveram início no dia 23 de outubro na Ermida de São Domingos em Fontelo de Armamar.
A organização esteve a cargo do arciprestado de Armamar-Tarouca e o palestrante foi o padre Tiago Torres.
O padre Tiago falou da temática “Padres do Deserto: o Evangelho em traços carregados.” A temática não podia estar mais de acordo com o espaço envolvente da recoleção. Com efeito, recolhidos na ermida de São Domingos, longe a azáfama e do ruido do dia-a-dia, nos sentíamos num ambiente que nos concentrava nas palavras do palestrante duma forma mais sensível. Até porque para os Padres do Deserto a grande tentação é a não concentração. O desvio do essencial, como nos foi recordado logo a abrir:
«Perguntaram a um ancião, como é que um monge fervoroso podia não escandalizar-se, ao ver outros abandonar a vida monástica para regressar ao mundo. Ele disse: “Deveis observar os cães de caça que perseguem as lebres. Um deles, tendo avistado a lebre, persegue-a sempre, enquanto os outros, que viram apenas os outros cães a correr, correm também um pouco, mas logo voltam para trás. Apenas o cão que viu a lebre a persegue até a apanhar, sem deixar que os que voltam para trás o desviem do seu objetivo; sem se deter pelas ravinas, arbustos e silvados; pelo contrário, ainda que muitas vezes ferido pelos espinhos que tem de atravessar, não se detém nunca. O mesmo sucede com aquele que segue Cristo seu Mestre: atento à cruz sem desfalecer, esquece todos os escândalos que encontra, até alcançar o Crucificado.”»
E o mais jovem presbítero, do nosso presbitério, foi-nos deliciando com quadros vivos, e tão cheios de doutrina, da vetusta idade patrística.
Ensinou-nos que para os Padres da Igreja os fins não se devem confundir com os meios. O importante é o fim. Daí que os Padres do Deserto sejam uma espécie de caricatura do Evangelho: sublinham uma ou outra dimensão do seguimento de Cristo: uns pela humildade, outros pelo jejum, outros pela castidade. Mas todas estes meios devem ser corporizados para não cairmos num espiritualismo desencarnado:
Deu como exemplo o jejum – prática na qual os Padres vêem grande valor para regular os vícios em geral, mas que deve ser submetida a um grande controlo, para não degenerar em orgulho ou ferir a hospitalidade, pois como dizia um dos Padres do Deserto:
«É melhor comer carne e beber vinho do que comer as carnes dos irmãos, com a maledicência».
O padre Tiago convidou-nos, através deste percurso pelo «deserto», a uma espiritualidade do recomeço:
«A espiritualidade do recomeço coloca-nos de novo no início: a vida dos Padres do Deserto dá-nos coordenadas para combater a dispersão, a desatenção, a pressa e vertigem do nosso tempo e ministério.
Não se trata, portanto, de fugir das nossas aldeias, vilas e cidades, até porque não é esse o modo de vida a que somos chamados. Mas reconhecer nestes traços carregados das suas vidas, o que nós mesmos podemos encontrar para recentrar a nossa entrega e serviço.»
Recordamos que a próxima recoleção será no dia 20 de novembro, em Castro Daire.
Pe. João Morgado, in Voz de Lamego, ano 95/47, n.º 4824, de 29 de outubro de 2025



