Pe. Justino Lopes: 50 anos de sacerdote
A MINHA VIDA ASSEMELHA-SE A UM ELETROCARDIOGRAMA.
O SURGIR DA VOCAÇÃO…
Aprendi a ajudar à Missa, em latim, antes de saber ler. Como havia muitos sacerdotes na minha aldeia, o meu Abade ensinava os mais velhitos ajudar à Missa e eu, mesmo sem fazer parte do grupo, fui ouvindo e aprendi como eles. E, praticamente, era eu quem, quase sempre, ajudava à Missa. Talvez que esta convivência com tantos sacerdotes ajudasse a despertar a vocação sacerdotal. Depois vieram o s mediadores – pais, sacerdotes, Comunidade Paroquial, etc.
NO SEMINÁRIO…
Para lá das aulas e do estudo, a Conferência Vicentina, todos os domingos, nos enviava à cadeia solenizar a Missa com os presos e, uma vez por semana, visitávamos as famílias pobres levando o fruto das nossas renúncias. O Círculo Missionário despertou-me o sentido da missão pondo-me em contacto com as Semanas Missionárias promovidas pelos missionários de Cucujães e realizando as férias missionárias nalgumas paróquias em que participava.
Nas férias, o meu Abade, o cónego Alfredo Martins, fazia da sua casa, um seminário. Recebia vários jornais, revistas, livros e exigia-nos a leitura e um comentário. Dávamos catequese e solenizávamos a Santa Missa. E guardava, para nós, todas as Missas solenes e Ofícios de defuntos. Era, na altura, o nosso estágio.
No final da Teologia, o D. Alberto recomendou-me que não fosse padre só de compêndios mas estudasse, pelo menos, duas horas por dia. E, o dr. Rafael relembrou que me naturalizasse, isto é, assumisse as alegrias e tristezas, dores e esperanças do Povo que fosse pastorear. Tudo isso tenho tentado cumprir.
A RECEÇÃO AMIGA DOS COLEGAS.
Ordenado sacerdote a 17 de Agosto de 1968, na minha Aldeia, pelo senhor D. Américo Henrique, foi-me dito que iria para uma paróquia do Alto Douro. A demora e mudança na colocação provocou-me um certo receio que aumentou quando o senhor D. João me enviou para Nespereira. Já tinha convidado uns quantos e todos se negaram devido à falta de estrada para os diversos lugares e à feitura do passal, único sustento do pároco.
O medo desvaneceu quando, ao tomar posse, um grupo de homens da A. Católica se aproximou e disse: -“não tenha medo, conte connosco”; e o P. Neto, abade de Alvarenga, lançou o desafio: - “P. Justino, tu és jovem, trazes o entusiasmo, a alegria própria da juventude; nós temos a experiência dos anos e do trabalho. Se tu quiseres juntar a tua juventude à nossa experiência, faremos um bom trabalho pastoral”.
E assim aconteceu. Embora vivendo cada um em sua paróquia, fizemos um trabalho de conjunto. Ele ficava responsável pela pastoral familiar, eu com a gente nova, o Silveira com a catequese e o P. Abel de Sousa com a pastoral caritativa. Uma tarde, o P. Abel bateu-me à porta: -“Estás a começar, é natural que precises de dinheiro, aqui tens X e pagas quando puderes”. Foi, para mim, uma grande lição. Era tal a nossa amizade sacerdotal que causava admiração às nossas gentes – até na Cúria - e, na feira de Nespereira, os donos dos cafés disputavam a nossa presença. O P. Neto sugeriu que, publicamente, debatêssemos um tema religioso. Cada um ia dando a sua achega mas sem esgotar o assunto e o povo ia-se juntando à nossa volta a ouvir a tomar partido e, às vezes, a intervir.
Eu levei a pastoral juvenil bastante a sério. Todos os anos faziam três dias de retiro. Com autorização do senhor D. Américo Henriques, realizamos o primeiro Convívio Fraterno misto (Dezembro de 1971) provocando grande escândalo nos meios clericais lamecenses. Introduzi os Cursos de Cristandade que ajudaram os leigos a arejar a sua fé e lança-los no apostolado.
NESPEREIRA ERA UMA PARÓQUIA EVANGELIZADA.
O meu antecessor, o P. José Pinto de Almeida, era muito austero consigo - rezava matinas às duas da manhã e, às seis, laudes e meditação, seguida da Eucaristia - e exigente, também, com os seus colaboradores. Com o Apostolado da Oração e o movimento da Ação Católica e a direção espiritual estruturara e consciencializara bem a Paróquia. Fiquei receoso quando um grupo, mais de senhoras e raparigas do que homens, me pedem para ser o seu guia espiritual. Fui, várias vezes, ao Paço Episcopal do Porto, aconselhar-me com o meu antigo diretor espiritual, o senhor Alberto C. do Amaral; outras vezes, com o dr. Rafael. A direção espiritual alicerça e acompanha a vivência cristã. Talvez essa seja a razão da abundância de vocações religiosas femininas. No meu tempo, foram três e, pouco depois, mais duas e já havia três.
Foi fácil, com esta gente, criar o Conselho Pastoral com as respetivas equipas do CPB e do CPM que, no meu entender, realizaram um bom trabalho.
O GOSTO PELA COMUNICAÇÃO SOCIAL.
Desde que fui diretor do jornal do seminário, “A ESTRELA POLAR”, que me ficou o bichinho pela comunicação. Assim, em Dezembro de 1971, fundei “O NESPEREIRENSE” animado pelo D. Américo Henriques para, segundo a sua editorial, “unir, formar e informar”. Provocou os encontros anuais com os nespereirenses do Porto e arredores, com os de Aveiro, os de Lisboa, os de França e em Newark, Estados Unidos.
EM VILA NOVA DE PAIVA.
Em 1986, o senhor D. António Xavier Monteiro, transferiu-me para Vila N. de Paiva e Fráguas. Custou-me dizer sim e chorei com saudades das gentes e dos colegas.
A gente da serra é generosa, atenta mas retraída e pouco expansiva. A estadia, aqui, do PREC revolucionário dividira famílias, semeara o ódio e instalara a dúvida religiosa. Eu caíra, aqui, vindo dos confins da diocese, e senti a falta daquele apoio e animação amiga dos colegas dos fundos da diocese, embora trouxesse já a experiência de dezoito anos de pastor.
Tracei o plano pastoral: liturgia bem preparada e bem celebrada; evangelização nos diversos setores e idades; e ação caritativa no serviço aos doentes e idosos. E procuro cumpri-lo, no dia- a- dia, com a ajuda dos colaboradores.
ENREDADO NA RÁDIO E NO JORNAL.
- Um mês depois de ter entrado em VN de Paiva, um grupo de jovens criou uma pequena emissora pirata que, por transmitir dumas águas-furtadas, a chamaram “Rádio Escuro à luz da amizade”. Legalizada, fui dos primeiros a entrar com programas e a fazer parte dos órgãos sociais. Houve quem não gostasse. Valeu-me o sábio conselho do P. Bento da Guia: - “Continua, padre! A Arca de Noé, apesar de levar toda a espécie de bicharada, não deixa de ser a imagem da Igreja. É melhor estar dentro do que estar fora. Não desanimes”. E, ainda, por lá ando.
- Como a maioria dos habitantes são emigrantes, criei um jornal, “A LUZ NA MONTANHA”, homenageando, com o nome, um antecessor. Dúzia e meia de anos depois, apagou-se quando ficamos sem o porte- pago. Fiquei triste, senti-me a falar com o microfone desligado. Passei a ter uma página mensal no mensário “Notícias do Paiva” e a escrever noutros jornais. Hoje não sei trabalhar sem o jornal e sem a rádio.
AO OLHAR PARA O CAMINHO JÁ TRILHADO NESTES 50 ANOS…
É semelhante a um eletrocardiograma com picos altos e picos baixos. Com alegrias e tristezas, com esperanças e desalentos próprios de quem peregrina nos caminhos da vida e de Deus. Julgo que tenho ajudado os paroquianos a serem mais cristãos e eles, a mim, ser mais padre/pastor, numa ajuda/entrega mútua.
Agradeço a Deus a vocação, aos mediadores, a começar pelos meus pais e irmãos, e a todos os paroquianos que ajudo e me ajudam nestes caminhos de Deus.
P. Justino Lopes, in Voz de Lamego, ano 88/25, n.º 44591, 22 de maio de 2018.