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Apresentação do novo livro do Pe. João António

No primeiro Domingo do Advento, 28 de novembro, realizou-se a apresentação do novo livro do Pe. João António, Reitor do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios e Cónego do Cabido da Sé de Lamego. A Igreja do Santuário encheu-se de pessoas, de luz e vida para participar desta apresentação. “Domingo a Domingo. Ressonâncias vivenciais dos textos dominicais”.

A Edição foi assumida por inteiro pela Lameguiper - E. Leclerc, e as receitas revertem para o Santuário e para o jornal diocesano, Voz de Lamego.

A apresentação contou com a presença do grupo coral do Santuário e com o Pe. Marcos Alvim, que, através da música ambientaram o cenário e nos ajudaram a rezar a Palavra traduzível pela voz e pela escrita. Intervieram o Diretor da Voz de Lamego, para agradecer o gesto generoso do Pe. João António, na receita do livro, mas em toda a cooperação estreita e amiga com o jornal; o Sr. Bispo a quem coube, em sentido estrito, a apresentação do livro e que disponibilizamos para quem não pôde estar presente, e o Pe. João António para agradecer a todos quantos contribuíram para a feitura do livro, apresentação, proximidade à família, presença da família durante todo o processo e tantos outros gestos de simpatia e ajuda.

Deixamos-vos com as palavras do nosso Bispo, D. António Couto:

P. João António Pinheiro Teixeira, Domingo a Domingo. Ressonâncias vivenciais dos textos dominicais (Ano C), Lamego, 2021.

1. Apraz-me registar e saudar mais este presente, que o P. João António nos oferece, a menos de um mês do Natal do Senhor, na abertura do Ano Litúrgico C.

2. Trata-se de uma abordagem do impacto ou impactos ou arranjos ou estragos que os textos da liturgia dominical e dias litúrgicos solenes e festivos, com particular destaque para a toada do Evangelho, podem provocar na nossa vida, isto é, na vida daqueles que, em dia de domingo ou dia festivo, procuram escutar a Palavra de Deus que se proclama nas nossas igrejas, ou senti-la mais de perto no aconchego das suas casas.

3. Ligamo-nos habitualmente ao texto através da habitual locução ou ponte «naquele tempo», que não está no texto, mas que é fruto da nossa engenharia litúrgica, que assim vai hifenizando os cenários evangélicos domingo após domingo. Para quem escuta ou lê hoje, bem pode «naquele tempo» soar «neste tempo» ou «neste dia», melhor ainda «hoje» (sêmeron), que se tornou o dizer clássico, de atualização, nas homilias dos Padres gregos. Escutar «hoje» é importante, pois não estamos perante uma audição ou leitura de dados meramente históricos e informativos, mas uma audição ou leitura que se quer fortemente performativa e implicativa, que opere mudanças a sério e a condizer na nossa vida.

4. Primeira nota: é de louvar quem se dedica a tempo quase inteiro (chrónos), sem esquecer a intensidade da dedicação (kairós), à contemplação e ao estudo sério de temáticas de índole cultural, teológica, pastoral e religiosa. Este modo de vida vai claramente em contracorrente do modo de vida do homem moderno, cujo esforço, dedicação e empreendimentos são em ordem a vir a poder usufruir o mais possível dos bens deste mundo. Devemos ao político, filósofo e ensaísta inglês Francis Bacon a famosa formulação; «saber é poder». É este o móbil que move as nossas mentes e leva ainda hoje os jovens e menos jovens a frequentar escolas e universidades: conhecimento significa sucesso!

4.1. É, todavia, sabido que o conhecimento religioso ocupa na conceção do homem considerado moderno o ponto mais baixo da escala de valores do conhecimento. A mente humana, segundo o filósofo positivista francês Augusto Comte, passa por três estádios de conhecimento: o teológico, o metafísico e o positivista ou técnico-científico. Do primitivo conhecimento religioso desenvolveu-se gradualmente a metafísica, à qual sucedeu o pensamento positivista, isto é, técnico-científico. Tendo alcançado este estádio final, o homem considerado moderno abstém-se de qualquer ligação a entidades não observáveis ou não imediatamente controláveis. Se, para o homem considerado moderno, o mundo é sobretudo saber e poder, saber que dá poder, realizações técnico-científicas, laboratoriais e empresariais, lido com cifras e estatísticas tão do nosso gosto, somos então completamente absorvidos pela febre do ouro, e o único deus atrás do qual ainda podemos correr será o bezerro de ouro. Neste paradigma, a natureza é considerada como uma simples caixa de ferramentas, e não alude a nada nem a Ninguém fora de si. Daí a brutal exploração que dela temos feito, e de que só agora nos começamos a aperceber, ou talvez não ou talvez ainda não.

4.2. Ainda não há muito tempo, em pleno séc. XX, o homem considerado moderno estava convencido de que a ciência estivesse em condições de resolver todos os enigmas do mundo. É então que nos cai em cima e em cheio a chamada de atenção de Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, da escola de Frankfurt, que expõem diante de nós as vísceras do homem e da história do séc. XX: «O pensamento em contínuo progresso, dizem, perseguiu desde sempre o objetivo de libertar os homens do medo e de os tornar donos. Mas a terra inteiramente iluminada resplandece, ao contrário, de triunfal desventura».

5. Segunda nota. É de louvar que o P. João António ponha por escrito, em livro, as suas reflexões. É aqui que entra o Livro, e a Palavra que o habita, e que nos é dirigida, para ser acolhida e respondida. É sabido que, depois de Aristóteles, a filosofia sugere que se defina o homem como um animal racional dotado de lógos, isto é, de linguagem e de razão, e vê aqui a eminente dignidade que justifica a supremacia do homem sobre os outros seres vivos. Esta definição tradicional passa em silêncio a relação do homem ao livro, não leva este aspeto minimamente em consideração, e até olha para ele com um certo desprezo. É assim, por exemplo, que Platão [Fedro 275a-276a] põe as suas reservas ao texto escrito, porque, diz ele, não cultiva a memória, dá-nos uma falsa segurança, e não estimula a discussão intelectual. Por sua vez, Descartes [Discurso do método, Primeira parte] mostra-se perplexo com as dúvidas e erros que encontra nos livros, e resolve não recorrer a outra ciência senão à que encontra nele mesmo ou naquilo que ele chama “o grande livro do mundo”. Enfim, o poeta francês Stéphane Mallarmé admite o óbvio cansaço de quem “tenha lido todos os livros”. Os livros cansam.

6. Ao contrário desta mentalidade “enterrada”, cravada na terra, convém tomar consciência de que o evento da escrita não é a subordinação do espírito à letra, mas a substituição da terra pela letra. Neste sentido, o espírito é livre na letra, mas fica aprisionado na raiz que o prende à terra. O livro, por maioria de razão o Livro dos Livros, o Livro por excelência, a Escritura Santa, a Bíblia, em cujo centro está Deus que nos fala, e nós que lhe respondemos (tudo assenta na Palavra que vem de fora), opõe-se, portanto, ao paganismo que nos enraíza na bela, mas também cruel imanência do mundo, completa alergia ao Outro e a toda a exterioridade ou alteridade que ameace romper a segurança ou a crosta do refúgio da sua sistematicidade. Na verdade, a Palavra do Livro, a Palavra como lugar, a Palavra do Outro recebida e ao Outro respondida rasga a terra, rompe a natureza e as suas férreas leis, e chama-nos a ir até à origem do sentido exposto no prefixo de palavras como exílio, êxodo, existência, exterioridade. A exigência deste «lugar da Palavra» é um convite a que nunca nos contentemos com aquilo que é nosso, isto é, com o nosso jeito de assimilar tudo, identificando e referindo tudo ao nosso Eu. O êxodo e o exílio limitam-se a exprimir a mesma referência ao “de Fora” (ex-), presente na palavra existência, «existência autêntica», no dizer de Martin Buber, não Vorhandensein, mas Existieren, de ex-sistere, que tem o seu ponto de referência, não em si, mas fora de si, implicando, portanto, a dependência de Deus, a que o homem considerado moderno é alérgico. Alergia não a Deus, mas a toda a dependência, e, portanto, a toda a exterioridade e alteridade. Nem se sabe bem como consegue viver!

O novo Livro do P. João António desenterra-nos, liberta-nos, chama-nos, convida-nos a um modo novo de pensar e de viver. Sim, na dependência boa de Deus e da sua Palavra.

Por tudo isto, obrigado, P. João António.

 

Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, 28 de novembro de 2021
D. António Couto

 


in Voz de Lamego, ano 92/04, n.º 4635, 1 de dezembro de 2021

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