«As nossas obras não passam, mas permanecem como sementes de eternidade»
Bernardo de Claraval
Nascido na paróquia do Touro (Vila Nova de Paiva) em 27 de junho de 1926, aí foi batizado no dia 22 de julho do mesmo ano. Ingressou no Seminário Menor de Resende em outubro de 1938, onde frequentou os três primeiros anos da sua caminhada para o sacerdócio. Deu continuidade no Seminário de Lamego onde concluiu os seus estudos Teológicos em 1951, tendo sido ordenado sacerdote no dia 22 de julho de 1951. Celebrou a sua Missa Nova na sua paróquia três dias depois, no dia 25 de julho e deu entrada como pároco nas paróquias de Mós, Murça, Seixas e Santo Amaro do Arciprestado de Foz Côa no dia 3 de agosto do mesmo ano. Quatro anos depois, em 10 de agosto de 1955 era nomeado pároco de Cabaços, Vilar e Baldos do Arciprestado de Moimenta da Beira e em 4 de setembro de 1959 era nomeado pároco de Paredes da Beira e Espinhosa do Arciprestado de S. João da Pesqueira onde esteve 8 anos. Em 17 de Setembro de 1967 dava entrada como pároco em Resende, paróquia a quem dedicou os últimos 54 anos da sua missão sacerdotal. De Felgueiras foi pároco por três vezes: de 1971 a 1976, em 1984/85 e, nos últimos 27 anos, desde 1 de janeiro de 1995. De 1978 a 1981 foi Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Resende.
Além do seu testemunho de vida pastoral em Resende, salientamos de modo particular a sua dedicação ao ensino. Começou por ser professor no velho Externato de Massas e depois Diretor (em 1970) e, quando todos os Externatos ligados à Igreja se extinguiam pela diversificação das escolas estatais, o Pe. Martins relançava o Externato D. Afonso Henriques em novas instalações, junto da Igreja paroquial. Estávamos em 1978. Lentamente, foi erguendo uma obra que se tornou a fonte de realização para muitos resendenses, garantindo assim o seu futuro com mais esperança. Foi Diretor do Externato D. Afonso Henriques durante 21 anos, até ao ano de 1991, tendo ainda continuado como professor até 1998. Para os seus alunos, o “senhor abade” ficará sempre na memória como o mestre, o amigo e, quantas vezes, diria, “o pai”.
Constam ainda do seu currículo dois livros publicados. Em 2001, ao celebrar as suas bodas de ouro sacerdotais e bodas de diamante de vida, publicou o seu primeiro livro de poemas intitulado “Reflexões em Rima”. Em 2004 deu à estampa o seu segundo livro (uma espécie de autobiografia em poesia) “Percurso de um Pároco”.
Em várias circunstâncias o Senhor Pe. Martins foi homenageado. Em 2001 foi homenageado pelas paróquias de Resende e Felgueiras aquando da celebração das suas bodas de ouro sacerdotais; em 2002 foi homenageado pelo Externato D. Afonso Henriques onde foi professor, Diretor e construtor das suas novas instalações; foi ainda motivo de homenagem para a Santa Casa da Misericórdia na celebração das bodas de diamante da instituição em 2005, tendo-lhe sido atribuída a medalha de ouro; a Autarquia quis ainda prestar-lhe o reconhecimento público ao atribuir o seu nome a uma rua da localidade. Foi homenageado pelo Rotary Clube de Resende em 21 de outubro de 2008.Todas as homenagens foram indiscutivelmente merecidas e espelharão sempre apenas uma parca dimensão da grandeza da sua personalidade e do muito que fica por dizer e por fazer.
Congratulo-me com o homem, com o sacerdote, com o mestre, com o amigo, com o companheiro de tantas jornadas, nestas mais de três décadas de partilha de vida sacerdotal. Porém, foi especialmente nestes últimos vinte e sete anos de vida em equipa sacerdotal nas comunidades de Resende e Felgueiras que eu pude descobrir mais intensamente a grandeza e polivalência da sua personalidade que aprendi a admirar. Atrevo-me a dizer que tive a graça de privar de perto com a personalidade que mais fez por Resende nos últimos 50 anos. Saliento:
- A facilidade profunda de comunicação de quem para todos tinha uma palavra, um aperto de mão, uma saudação, sempre com o inevitável sorriso nos lábios;
- O modo de estar jovial e alegre, não apenas com os estudantes, mas com todas as pessoas, demonstrando que a juventude é fundamentalmente um estado de espírito que transparecia facilmente na sua maneira de ser;
- O seu espírito otimista que sempre sabia olhar o lado bom da vida superando como ninguém os momentos menos bons e lançando-se em novas aventuras com entusiasmo;
- O seu impulso empreendedor que nunca se acomodava com o que conquistava, mas queria sempre ir mais além numa luta constante contra o conformismo comodista no intuito de dar sempre mais àqueles que servia;
- O seu sentido de igreja que manifestava numa total disponibilidade para a colaboração com os colegas, colocando sempre os serviços pastorais como prioridade na dedicação e serviço ao Povo de Deus;
- O seu dinamismo pastoral que nunca esmorecia e sempre tenta redescobrir novas maneiras de transformar e recriar espaços e formas de dar formação cristã a todos os estratos das comunidades;
- A sua maleabilidade e sentido de equipa que nunca se impunha de forma autoritária, mas sempre propunha, num espírito conciliador e dialogante, aberto e cooperante;
- A sua dimensão orante na dinamização litúrgica e no silêncio do seu recolhimento individual, nunca perdendo de vista a fonte donde dimanam todas as graças;
- O seu inconformismo perante a vida e as coisas que o tornava uma pessoa de uma capacidade empreendedora e de uma coragem invulgares, lançando-se com garra em grandes empreendimentos que Resende sempre lhe ficará a dever;
- A sua versatilidade para inovar, para sair dos problemas, para ultrapassar situações menos fáceis, para promover iniciativas diferentes, para enfrentar a vida com o seu realismo e dramaticidade;
- O seu espírito de desprendimento que era visível na sobriedade de vida e fazia dele o grande benfeitor da paróquia de Resende e de outras instituições da igreja e não só;
- O sentido da amizade que sempre o tornava disponível para os colegas e próximo dos que dele precisavam, de modo especial com grande sensibilidade para promover a fraternidade sacerdotal com os colegas mais sós, doentes ou idosos;
- A sua ligação à família para quem sempre foi “o padrinho”, de quem ele sempre falava com muita estima e amizade, por quem sempre manifestava um carinho especial e com quem sentia necessidade de estar;
- A sua simplicidade de vida que fazia dele uma pessoa estimada por todos, a quem todos admiravam pela humildade, pela proximidade, pela boa disposição, pela sã convivência, pelo relacionamento fácil, pelo seu espírito terra-a-terra;
- A sua bondade que, poderia dizer, era o principal bilhete de identidade que o caracteriza em todos os relacionamentos em todas as atitudes, na forma de ser e de estar.
Apesar da grandeza da sua vida e da sua obra, ele ficará para a história pura e simplesmente como o “senhor abade”. Mas, se este título pode, à primeira vista, parecer insignificante, para nós que sempre o tratamos assim, ele será sempre a forma mais carinhosa e autêntica que o caracteriza. É o “senhor abade” para os seus paroquianos, para os seus alunos, para os habitantes de todo o concelho onde tantos serviços prestou em substituição de colegas esporádica ou temporariamente e mesmo para os colegas sacerdotes que se habituaram a tratá-lo assim desde os bancos do nosso Seminário Menor. O nome “senhor abade” será sempre uma marca de referência que o identifica, independentemente dos títulos que lhe possam estar adjacentes, porque é assim que ele nos é mais querido!
Por tudo isto e pelo muito que fica por dizer, foi extremamente gratificante trabalhar com o senhor padre Martins. Ele foi para mim um mestre de vida, de virtude, de dinamismo pastoral, de saber ser e estar na vida com os outros e com Deus, um verdeiro “pai espiritual”. Agradeço a Deus por ter permitido que as nossas vidas se cruzassem neste peregrinar, porque o seu testemunho de homem e de sacerdote foram uma bênção para a minha vida pessoal e para a minha missão sacerdotal.
Partiu como viveu, de forma discreta e silenciosa. Como as árvores, morreu de pé, exercendo o seu ministério sacerdotal até ao fim. Não queria ser um encargo no fim da vida e não foi, permaneceu independente até aos últimos dias. Homem livre como era, não queria ficar amarrado a um leito de agonia e não ficou, partiu serenamente depois de uma missão longa, dedicada e generosa. Aqui choramos a sua partida pelo muito que nos deixou como testemunho, no céu já fizeram a festa com a sua associação aos benditos do Pai. A sua ausência física torna-nos mais pobres, mas a sua presença espiritual como mediador de graça e intercessor junto do Pai, torna-nos imensamente mais ricos.
Obrigado, “senhor abade”, pelo dom da sua vida - “as suas obras não passam, mas permanecem como sementes de eternidade”.