Cumprindo uma tradição de muitos anos, um mar de gente, das paróquias de Resende, rumaram ao Santuário Mariano de Santa Maria de Cárquere.
Esta peregrinação, à exceção destes dois últimos anos, em que esteve suspensa pelos motivos conhecidos, ocorre habitualmente no 4º domingo de Maio. A precedê-la houve um tempo de preparação com a meditação do terço, celebração da Eucaristia e pregação. Alguns devotos de nossa Senhora de Cárquere fizeram-se, deste modo, peregrinos, cumprindo as suas promessas e suplicando por graças preparando-se para o grande dia da festa final.
Cada peregrino teve oportunidade de agradecer o que, por meio de Maria, recebeu de Deus, confiando-lhe as suas preocupações, dificuldades e anseios.
O reitor do santuário, Sr. Padre Arménio, apresentou esta dúzia de encontros de oração, meditação e contemplação como sendo uma espécie de “retiro aberto”, visto que em casa, ou no campo, havia a possibilidade dos que estavam ausentes poderem acompanhar as orações e pregações através dos altifalantes.
Chegado o dia 22, dia da peregrinação propriamente dita, pelas 10h00, começaram a ser organizadas as procissões de cada paróquia com os estandartes dos padroeiros e respetivas cruzes paroquiais. Sob a presidência do nosso Bispo e com a presença do pró Vigário Geral e dos párocos iam sendo cantadas as ladainhas pelo grupo coral a que todos se associavam pedindo a intercessão de todos os santos.
O Emanuel (Deus Connosco) realmente presente nas espécies consagradas do Pão e do Vinho - dentro de pouco tempo – começava a lavar os pés de todos os seus discípulos (como outrora na Última Ceia). Com a consciência de pisarmos, muitas vezes, caminhos sujos de inveja, de ingratidão, de guerras e de falta de cuidado pelo nosso próximo. A humildade e a sinceridade de coração iam-se instalando no coração de todos os crentes e isso tornou-se visível nos olhos brilhantes que acolhiam o primeiro dom de Deus – a graça do Seu perdão e da Sua paz. Não a paz como a dá o mundo, mas a paz generosa e gratuita. Cientes da infinita misericórdia que Jesus nos alcançou pelo seu mistério pascal começávamos a ficar com o coração preparado para acolhermos o Corpo de Cristo. Reconhecida a grande distância entre a pureza da Imaculada Conceição que passava no andor e a sujidade e pequenez do nosso coração estavam reunidas as condições para participar na Eucaristia onde agora, sim, pão e vinho se transformarão no Corpo e Sangue de Cristo, nosso alimento.
“Se houvesse mais crianças teríamos que pegar nelas ao colo e cuidá-las e não haveria tempo de pegar em armas” referiu o nosso Bispo a propósito da presença dos pequenos que no dia anterior tinham comungado pela primeira vez e também dos que o fizeram de forma solene na sua profissão de fé.
O nosso mundo teima em valorizar o que se compra e vende desvalorizando o que nos é oferecido por Deus de forma gratuita e o que nós podemos partilhar com todos: um gesto de ternura, um sorriso, um abraço, um qualquer sinal de proximidade (que naturalmente pode não ser físico) … Afastamo-nos do que nos é oferecido e agarramo-nos ao que se compra e vende. D. António falou precisamente da dificuldade em vivermos como recebedores dos dons e da vida que Deus nos oferece gratuitamente. A realidade do mundo em que vivemos procura os ideais da revolução francesa e americana em que se premeia a liberdade e a igualdade, mas se esquece a fraternidade que nos torna irmãos e filhos de um Pai que nos foi apresentado por Jesus. Convidou-nos, pois, o nosso pastor a vivermos à semelhança do Criador que ama dando e dando-Se sem medida, sem ficar com nada para Si, de mãos entendidas com a palma para baixo sem nada agarrar, mas concedendo tudo o que é - em Si mesmo - Amor! Lançou-nos o desafio de nos alimentarmos com os frutos do Espírito Santo que daí a pouco iriam ser acolhidos por cerca de 140 jovens no Sacramento do Crisma.
No andor de Nossa Senhora estavam postos os olhos de todos os peregrinos. Sentada, como discípula que aprende, tem o Filho ao colo para o dar ao mundo como Salvador e Redentor de toda a humanidade. Aprendida a lição da humildade ("eis a serva do Senhor") aponta para Jesus dizendo “fazei tudo o que Ele vos disser” e conservando no coração o que não compreende nem entende recomenda que, mesmo assim, acreditemos na providência divina e nos apressemos a levar Jesus ao coração de cada irmão e a trazer o nosso próximo até ao coração aberto do seu Filho muito amado. É, por isso, discípula e mestre, Mãe de Deus e nossa Mãe, porque gerados no calvário quando diz a João: “eis a tua mãe”! Por duas vezes o Sr. Bispo falou da ternura, da paz, da tranquilidade e do amor que transparece através da sua bela imagem.
Tem sido esta a missão que lhe está confiada na preparação da próxima Jornada Mundial da Juventude. A pressa que teve quando correu ao encontro de Isabel é a mesma quando continua a levar Jesus para que o mundo se reencontre e nele haja paz, justiça e fraternidade.
A oração dos fiéis, como de costume, foi feita por elementos de todas as paróquias, tendo ficado manifestado também desta forma a universalidade dos pedidos de toda a Zona Pastoral.
Enquanto levávamos Maria para o santuário, no fim da celebração, pedíamos proteção para todas e cada uma das comunidades, bem como para as suas famílias, jovens, crianças, doentes, velhinhos e também para os campos e suas sementeiras e assim como para o gado que são as principais fontes de rendimento e sustento destas terras. A tarde começava a chamar o entardecer quando encerrámos a jornada com a procissão e bênção do Santíssimo. O Reitor agradeceu à “Senhora do Bom Tempo”: a chuva e as prometidas trovoadas não passaram de ameaças.
Pe. António José Ferreira, in Voz de Lamego, ano 92/29, n.º 4660, 1 de junho de 2022