Mensagem de D. António Couto para a Quaresma
1. “Através do deserto, Deus guia-nos para a liberdade”. É este o lema da mensagem do Papa Francisco para esta Quaresma de 2024. De onde se deduz que Deus é o mestre do deserto. E o deserto é um caminho pedagógico entre o Egito e a Terra Prometida. Não se entra na Terra Prometida sem fazer a experiência do deserto. Sem fazer e ultrapassar a prova do deserto. O deserto ensina o essencial. Desveste-nos de acessórios. Desintoxica-nos de excessos e inutilidades. Deixa-nos a céu aberto com Deus. Estimula-nos a caminhar. Talvez nos ensine a rezar, a desenterrar as raízes, a partilhar. A procurar um sentido para os passos incertos que damos. Sabemos que saímos de um Egito opressor, que impedia de nascer ao mesmo tempo que nos servia luxos e comodidades. Saltamos para o deserto. No deserto aprendemos a sofrer, a saborear a resina do tamarisco, a apostar tudo num simples trago de água.
2. No Egito, como na sociedade de hoje, com deuses, mas seu Deus, somos sempre levados a pensar que, se Deus quiser alguma coisa connosco, terá de se manifestar com provas inequívocas e argumentos que ninguém possa rebater. E, afinal, eis que Deus nos conduz ao deserto, e aí desce até nós através de coisas tão pequeninas como a resina do tamarisco e um simples trago de água. Um simples respiro concedido, que nos mantém vivos e orienta para Deus o nosso olhar.
3. O itinerário da vida cristã e litúrgica todos os anos nos oferece os 40 dias da Quaresma para podermos voltar ao deserto, não tanto em sentido físico e unívoco, mas análogo, para aí podermos proceder a uma sempre oportuna e necessária desmontagem dos egoísmos e malabarismos que, entretanto, se tenham apoderado de nós, ou nós deles. É por isso que o deserto é um tempo novo, cheio de esperança. Muitas vezes descrito na Bíblia em termos de noivado de Deus com o seu Povo. Mas é também um espaço novo, um campo novo, não estéril, mas tantas vezes apresentado como um jardim florido, como uma terra regada por rios e mais rios. Tudo imagens preciosas de quanto Deus pode fazer nascer na nossa vida.
4. Portanto, meus irmãos e irmãs, convertei-vos e acreditai no Evangelho! O Evangelho é o dom que nos é oferecido na Terra Prometida. Queridos irmãos e irmãs, que comigo contais e viveis as páginas desta Quaresma, atiremos fora os odres, velhos e novos. Há muito que acabaram os almocreves! A notícia boa e feliz, isto é, o Evangelho, não se transporta em vasilha nenhuma. Levemo-lo nas entranhas, nos pés, nas mãos, no rosto, no coração. Ah!, antes que me esqueça: atiremos também fora o ouro, a prata, o cobre, a outra túnica, o bastão, as sandálias! E aproveitemos para virar também os bolsos do avesso! Talvez encontremos por lá ainda algum cotão a mais!
5. É notório que atravessa o nosso mundo de hoje uma grande confusão em praticamente todos os domínios. Mas a areia que nos atiram para os olhos não é a areia pura do deserto, tempo novo, campo novo acabado de lavrar, por onde Deus conduz carinhosamente os seus filhos, e nos pede (Deus precisa de nós; se assim não fosse, não teria partilhado connosco o seu Poder Omnipotente, a sua Sabedoria Omnisciente, a sua Presença Omnipresente, a sua Vida Vivente) que façamos mais leve a nossa vida e mais belo este mundo que Ele nos deu. Mas se assim é, se Deus olha para nós e reclama a nossa atenção, é para nós o imitarmos e partilharmos também uns com os outros os dons que Deus nos concedeu e continua a conceder.
6. A Quaresma é um tempo importante para mantermos limpo o nosso olhar, sem traves ou muros, e limpo também o nosso coração, sem raivas ou invejas. É tempo de graça, de oração e conversão. É tempo de reforçar os laços da nossa caridade, que é um exercício que a Igreja nos propõe fazer em cada Quaresma. No ano passado (2023), a esmola da nossa Caridade Quaresmal, ou Renúncia Quaresmal, traduziu-se em 24.767,46 euros, que seguiram para aliviar um pouco as dores dos nossos irmãos todos os dias martirizados da Ucrânia e da Síria, cujo grau de sofrimento não conseguimos sequer imaginar. Agradeçamos a Deus ter-nos dado esta oportunidade de partilhar um pouco do amor que em nós depositou com os nossos irmãos necessitados.
7. Para a Quaresma deste ano de 2024, em que estamos agora a entrar, proponho que a dimensão da nossa caridade continue a estender-se aos nossos irmãos da Síria, pois multiplicou-se muito o seu sofrimento. Proponho ainda que partilhemos também o esforço da nossa caridade com a Paróquia-Missão do Imaculado Coração de Maria de Nametil, com cerca de 13.000 km2, no Norte de Moçambique, Diocese de Nampula, que experimenta também muitas necessidades e precisa de erguer estruturas de oração e de formação para os seus mais de 55.000 fiéis batizados e crismados e para os muitos milhares de catecúmenos que se preparam para o batismo. Nada se perderá. A nossa esmola para a Síria seguirá diretamente pela mão da Ir. Maria (Myri) Lúcia Ferreira, uma religiosa portuguesa que vive atualmente na Síria, no Mosteiro de S. Tiago Mutilado; e para a Paróquia-Missão do Imaculado Coração de Maria de Nametil seguirá pela mão do P. Albino dos Anjos, da SMBN.
8. O anúncio do destino da nossa Caridade Quaresmal será feito, como de costume, em todas as igrejas da nossa Diocese, no Domingo I da Quaresma, realizando-se a Coleta no Domingo de Ramos na Paixão do Senhor.
A todos saúdo e desejo, do fundo do meu coração, um caminho de bondade, justiça, verdade, oração, comunhão e conversão. E que a ninguém falte a graça de Deus e a mão fraterna de um irmão. Sintamos todos a alegria de sermos filhos de Deus e de termos tantos irmãos à nossa volta.
Lamego, 14 de fevereiro de 2024, Quarta-Feira de Cinzas
Na certeza da minha oração e comunhão convosco, a todos vos abraça o vosso bispo e irmão, + António